Guerra civil da atenção

Todo mundo querendo espaço, ao mesmo tempo.

Guerra civil da atenção

Cena do filme Sick of Myself.

Preciso incluir mais um item na minha lista de hipóteses em busca de comprovações científicas. Esse:

  • Estamos no meio de uma espécie de guerra civil por atenção.

Nada a ver com pessoas procurando seguidores nas redes sociais. Essa tese aí é chutar HD morto. Já sabemos como a coisa funciona.

Ainda assim, tem a ver. A convivência diária com as redes sociais e tecnologias móveis ajudou a descalibrar a nossa expectativa de quanta atenção deveríamos receber. E quão rapidamente.

Parece que temos uma expectativa um tanto rígida de como as pessoas devem se importar com nossas opiniões, estados mentais e chiliques.

É que, ao longo dos anos, fomos nos acostumando a ter algum tipo de feedback rápido, muitas vezes até imediato, pras “nossas aventuras mentais”. E, agora, a tolerância à indiferença (ou à demora pra receber atenção) cresceu pra níveis não muito realistas.

De novo, não estou falando de etiqueta de WhatsApp -- ainda que esse seja um assunto relacionado. A ansiedade nos programas de mensagem é um sintoma da necessidade de estar no centro das atenções. Mas também ajudou a treinar nossas expectativas.

Ainda assim, penso num outro fenômeno: a necessidade de estar em constante carreira solo em vez de se adaptar aos ritmos da coletividade.

Um filme recente me chamou a atenção pra isso. Foi recomendado pela Lalai Persson e chama-se Sick of Myself. É uma espécie de comédia de horror, escrita e dirigida pelo norueguês Kristoffer Borgli.

O filme conta a relação competitiva entre dois desesperados por atenção. De um lado, um artista fraudulento em busca de espaço nas galerias de Oslo. De outro, sua namorada, que quer não só a atenção dele, mas a de toda a galáxia.

O artista está completamente hiperfocado na sua carreira. É aquela típica pessoa que tenta vender seu peixe o tempo todo e manipula os outros pra expandir sua fama.

Já a namorada é muito mais radical: descobre um remédio russo proibido que causa problemas de pele e começa a tomar quantidades cavalares dele. Em poucos dias, sua aparência fica, digamos, fora dos padrões de beleza nórdicos.

Assim, finalmente, a garota vira o centro das atenções. E o filme é especialmente sagaz em mostrar como outras pessoas tentam tirar vantagem dela pra ampliar seus próprios espaços.

O destaque vai pras passagens que mostram as maquinações mentais da personagem. Nas suas fantasias, a doença deveria lhe dar uma carreira de sucesso midiático.

E é por isso que usei o termo guerra civil por atenção. Em Sick of Myself, todos estão constantemente aplicando suas táticas e estratégias pra conseguir atenção. Uma espécie de micro-geo-política. Ou pior: todos contra todos. Pandemia de narcisismo.

O desejo pela Atenção Total transforma os personagens em conspiradores, lobistas e mentirosos. Se a tolerância pra dividir o palco diminui, imagine, então, os momentos eventuais de indiferença (que, até há pouco, eram considerados mais ou menos “normais”).

Acaba que Sick of Myself é um filme de terror. Mas não sei onde está o pior terror ali. Na desintegração física da garota ou na guerra pela atenção?


Feliz natal pra vocês. Obrigado pela companhia durante o ano. Devo publicar mais uma edição antes da virada. Se não estiver pagando de zumbi em mais um aeroporto, claro. :D


Música

Dois shoegazers macios pra diminuir a temperatura desse verão brasileiro.

Knifeplay - Animal Drowning