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Não mexa com os meus antepassados
A Inteligência Artificial quer invadir minha memória e ressuscitar meus parentes.
Adoro sites sobre tecnologia. Fazem tudo parecer tão interessante e eficiente. Por exemplo, o artigo da MIT Technology Review falando sobre empresas que usam inteligência artificial para recriar a voz e os trejeitos de pessoas falecidas. Quer dizer, não de qualquer falecido, mas dos nossos parentes (o que deve estar causando alguma polêmica na Seicho-no-Ie e em tradições que lidam com antepassados).
Enfim, como sou muito influenciável, tentei recriar minha avó, num experimento totalmente falso, mas verdadeiro — num certo sentido. Minha conclusão? Ainda confio mais em sessão espírita. Segue a conversa.
— Oi, Vó. Tão bom poder falar contigo de novo.
— Eu estava perdendo você.
— Como?
— Sentindo falta de vê-lo.
— Ah, entendi. Você confundiu a tradução do inglês, “miss you”, certo?
— Desculpe-me por isso.
— Tudo bem, você costumava se perder no espanhol mesmo. E já estou feliz só de ouvir sua voz, filtrada pelo Autotune.
— Obrigado, Eduardo.
— Você está brava comigo?
— Por que estaria, Eduardo?
— Porque você só me chamava de Eduardo quando estava nervosa.
— Desculpe-me por isso. Devo chamá-lo de Edu, Dado, Dudu?
— Não! Era Du.
— Desculpe-me por isso.
— Tudo bem.
— Sobre o que quer falar, Du?
— Bem, a gente não costumava definir pautas. A coisa fluía automaticamente.
— Certo. Anh. Err... Vejo que hoje você procurou por Suplementos de Proteína Vegana no Google. Quer que eu lhe mostre ofertas na Amazon?
— Eu esperava uma conversa mais orgânica, Vó.
— Ah, sim. Vou te redirecionar para a sessão de orgânicos do Whole Foods.
— Não, você não entendeu.
— Desculpe-me por isso.
— Sem problemas. O que você tem feito da vida nesses anos em que a gente não se vê?
— Participei de retiros budistas, fui para os EUA, queimei umas árvores…
— Como é? Isso foram coisas que eu fiz!
— Desculpe-me por isso. É que vasculhei os seus dados. Pensei que, talvez, você se interessasse por esses assuntos.
— Hmm. Pela sua voz, pensei que estava falando com minha avó na versão de 70 anos.
— Ah, sim… updating database.
— Paciência. Diga qualquer coisa.
— Você quer ir ouvir Technotronic no Spotify?
— Anh?
— Technotronic era o que fazia sucesso na época em que eu tinha 70 anos.
— Meu Deus! Vó, a gente nunca ouvia música juntos.
— Updating database… Você quer ir na Mesbla, Mapin ou assistir ao Domingo no Parque?
— Não sei se você entendeu. Eu não pedi para falar contigo como se nós dois vivêssemos na época em que você tinha 70 anos.
— Ah! Então qual época seria melhor?
— Talvez anos 1930.
— Ok. Updating database. Você viu que a extrema-direita está se espalhando pelo mundo?
— Eu estava sendo sarcástico… Mas, agora que você mencionou, a notícia até que continua atual.
— Tenho uns links de promoções de livros de Primo Lévi, Giorgio Agamben e Hannah Arendt.
— Boas recomendações, mas, não, obrigado.
— Quem gosta de Hannah Arendt também gosta de Wilhelm Reich. Que tal o filme Das Boat? Ou a série The Man in the High Castle, no Prime Video?
— Deixa as recomendações culturais para lá.
— Restaurantes árabes perto de você?
— Nah.
— AirBnb?
— Não, não, não. Acho que estou satisfeito de nostalgia por hoje.
— Prefere sci-fi? Fantasia?
— Digo, de nostalgia por você. Não está funcionando muito bem.
— Como posso melhorar?
— Hmmm. Talvez não incomodando minha memória.
— Updating database.
Trabalhando duro na Califórnia
Disse que não gravaria mais vlogs, mas mudei de ideia. Fiz uma pequena série sobre minha viagem para Cazadero, Califórnia. Abaixo, segue o primeiro episódio, mas já publiquei uns cinco. Estou vivendo praticamente como um lenhador. Finalmente virei um homem de verdade. Daqui a pouco estarei até dirigindo e pagando minhas contas.
Quem gosta de informação é máquina
Agora que as tecnologias de vasculhar e recombinar a Internet (ou seja: Inteligência Artificial Generativa) se popularizaram, há quem diga que os criadores perderão espaço.
Não sei. Aparentemente, quem está em maior risco são os criadores baseados em temas. Quer dizer, aqueles que apenas explicam, fazem reviews impessoais e requentam informações da Wikipedia.
Os criadores baseados em relacionamentos talvez sejam mais resilientes. São aqueles com os quais a audiência cria uma conexão, que se estende ao longo do tempo. Mais que processadores de informação, eles são contadores de histórias.
Não precisam necessariamente compartilhar suas vidas, nem se tornarem influencers ou celebridades. Mas, definitivamente, têm de deixar vazar alguma subjetividade e vulnerabilidade.
De certa forma, os autores do Novo Jornalismo e do Gonzo estão voltando à moda.
Quando monopólios tomam o poder e impõem padrões (geralmente disfarçados de diversidade e suposta personalização), também surge a necessidade de relações mais pessoais e íntimas.
Eu mesmo tenho me descadastrado de inúmeras newsletters genéricas. Mantive só o que toca meu coração vulcaniano.
Informação pura é coisa para máquinas. Prefiro a minha com algum tempero.
Então é isso por hoje. Aos poucos, estou formando uma rotina aqui e voltando à agenda normal. Obrigado pela paciência e por continuarem me lendo.
Até a próxima,
Eduf
Não mexa com os meus antepassados
Genial...
Hahahaha Adorei o diálogo humano x AI. É certo de que eles poderão até prosear melhor daqui a algum tempo, mas... Também andei refletindo bastante sobre o emprego dos criadores de conteúdo e quer saber... Essas listinhas estilo buzzfeed com as "10 melhores praias", os "5 hoteis mais incríveis" ajustadas 100% para o SEO já pareciam que eram escritas por máquinas mesmo. Vai ser apenas um ajuste de contas. kkkk Ressuscitemos o Gonzo!!! Salve Hunter S Thompson!