Eu amo seu perfil, não você

Por que estamos cansados dos aplicativos de relacionamentos?

Estou aqui, derretendo e ouvindo um episódio do podcast The Conversation sobre aplicativos de relacionamentos. Quem é que consegue pensar em relacionamentos nesse calor (físico e psicológico)? Estou mais suado, armado e cheio de cicatrizes do que John Rambo.

Em todo caso, The Conversation. No podcast, duas cientistas sociais debatem sobre aplicativos como o Tinder, Grinder, etc.

Segundo elas, pesquisas indicam que essa tecnologia criou um fenômeno inesperado: em vez de aplicativos pra arranjar parceiros(as), se tornaram videogames. Ou seja, servem pra gerenciar a performance e crescimento de perfis, por meio de métricas de "sucesso" e indicações de validação social.

Não é que você realmente queira sair com aquela pessoa que diz amar gatos e livros do Italo Calvino. A ideia é conseguir que ela te ache interessante. Ba-da-Bing: você acabou de ser validado(a). E, aí, um dia, quem sabe.

Não se trata, exatamente, de romantismo, mas de aquisições de competências técnicas, de profissionalismo. Você provou que sabe manipular seu perfil com eficácia, que sabe gerenciar conversa online. E que fidelizou um(a) cliente.

Esse é mais um exemplo de midialização da vida. O pretendente digital desceu pelo funil. Foi fisgado pela sua campanha de marketing e, agora, faz parte da sua audiência. Passo seguinte: entretê-lo, mante-lo por perto. Enquanto arranja outras alternativas.

Tudo isso num ambiente indiretamente gamificado. Ou seja: a interface não tem as moedas, ringtones de sucesso e fracasso ou lista de competidores (como no Duolingo, por exemplo). Ainda assim, há o constante convite pra otimizar suas ações, seguir uma jornada e vencer.

É engraçado como a busca por eficiência e praticidade nos levou à gamificação – a "diversão" com preço de paranoia.

Explico:

  • Começamos acreditando que a tecnologia digital otimizaria nosso cotidiano. "Vamos criar um app pra isso".
  • Só que todo aplicativo precisa de uma interface. Então, nos baseamos naquilo já que conhecíamos: a mídia e a indústria do entretenimento. "O app tem que ser divertido".
  • É essencial ter um modelo de negócios. "A empresa por trás do app precisa se sustentar".
    • Mas, na verdade, esse modelo já estava implícito nos próprios conceitos de eficácia e conveniência. São ideologias essencialmente capitalistas. Assim, o modelo de negócio (consciente ou inconscientemente) precede o produto. É a essência, o gene dele.
  • Naturalmente, toda a interface e experiência de usuário segue os modelos mercadológicos: marketing, seleção de pessoas num mercado, pagar pra ter privilégios, comparações de desempenho, etc.

O resultado é O Jogo. O mesmo que já disputamos nas outras redes sociais. Por isso, a fadiga. É que onde quer que cliquemos na Internet, parecemos estar competindo, otimizando perfis e tentando domar algoritmos. Estamos numa constante campanha de marketing.

Por um lado, esse é um problema contemporâneo. Por outro, como diria meu falecido avô, é mais velho que andar pra frente.

É o problema em pensar a realidade como algo estático. Ou seja: se eu fizer isso, vou conseguir aquilo. Como se o jogo de causa e consequência fosse linear e simples.

Mas, ao que parece, as coisas são muito, muito mais complexas. Quando você faz isso, não percebe que também disparou outros diversos aquilos. São processos paralelos que mudam tudo, ininterruptamente. Não só seu objetivo inicial, mas também suas ações, suas percepções, etc. É uma lógica extremamente dinâmica.

Então, começamos usando aplicativos pra "otimizar" os relacionamentos. O resultado é mais complexidade. E, no processo, estamos mudando o que significa se relacionar.

Aprendemos a odiar os relacionamentos arranjados por famílias. E aprendemos a amar os definidos por algoritmos. O marketing é o novo Romantismo. O perfil é a nova fase do conceito de indivíduo. E ainda acreditamos que controlamos essas coisas perfeitamente.

Depois de tantos anos pensando que "matamos" Deus, estamos assassinando outra coisa: a ideia tradicional de Indivíduo. E, com isso, revelando um conjunto mutante de técnicas de gerenciamento e produção de ansiedade social. É o que chamamos de perfil.