Geriatria da tecnologia
Como o filme Uma Batalha Após a Outra retrata a guerra entre tecnologias.
Já faz alguns anos que os Luditas voltaram à moda. Basicamente, depois do livro Blood In The Machine, cuja detalhada pesquisa histórica ajudou a quebrar o mito de que eles eram terroristas e reacionários.
Muito se falou sobre o estilo Ludita de ativismo tecnológico (que ia muito além de quebrar máquinas). Mas, outro dia, li um texto que dá sugestões práticas de como “luditizar” sua profissão. E aí me lembrei de outra coisa.
Não sei se você reparou na guerra entre tecnologias, retratada em Uma Batalha Após a Outra, do bro master, Paul Thomas Anderson. Os aparelhos analógicos aparecem como uma estratégia pra fugir da vigilância digital.
Primeiro, é importante notar como as tecnologias não morrem, elas deixam rastros e mudam de função. Não só física, mas também política e psicológica. (Avise se você quiser que eu desenvolva o assunto.)
Nossa sociedade convive com múltiplas camadas de tecnologias. Todos os dias, lidamos com restos e retrofits de diversas épocas, de diferentes conceitos do que é novo, eficiente e seguro.
Então, não se trata muito mais de ter ou não uma atitude Ludita. Todos somos versados em geriatria tecnológica: aprendemos a lidar com diversas gerações de máquinas. Cada uma falando um certo dialeto. A tecnologia não é mais uma representação das expectativas de futuro. São burocracias de diversas épocas que temos que gerenciar.
A própria IA, que se popularizou há menos de 5 anos, já deixa restos de si, camadas geológicas. São visões de mundo e demandas econômicas que geram certos códigos, interfaces, aparelhos e comportamentos.
Hoje, você pode até mesmo escolher usar diversos modelos de linguagem de um mesmo programa. E isso não significa, necessariamente, que o mais novo é o melhor deles. Nem que o mais velho seja usado com uma atitude de descontentamento, de que “falta alguma coisa”. Como, aliás, os brasileiros já sabem faz tempo.
Em Uma Batalha Após a Outra, a “obsolescência”, o downgrade é uma estratégia de liberdade. Os personagens recorrem a aparelhos velhos e modificáveis pra criar uma rede de comunicação e segurança paralela. Quando as tecnologias recentes (como smartphones) aparecem, são pra colocar a vida em risco, pra reprimir e impedir planos de se concretizarem.
Essa é mais uma rachadura no discurso da Modernidade: a versão mais nova não é, necessariamente, a melhor. Pelo contrário: pode ser fruto de uma empresa desesperada tentando lançar alguma coisa, sem muitos testes, apenas pra não dar a impressão de que o concorrente venceu a disputa. Atualização tática: pra conter acionistas. Ou pra despistar usuários dos problemas profundos.
Mais uma dualidade que não sobrevive à investigação minuciosa. Revolução tecnológica não é revolucionária, desatualizar não é reacionário. As palavras e as ideologias se dissolvem na prática, no cotidiano.
Pulga Atômica
Carreira solo do Flea. Quem conhece a história do baixista do Red Hot Chili Peppers, sabe que ele começou no jazz. Então, o clipe acima não deve assustar. Foi dirigido pela filha do músico, Clara Balzary. É isso aí: “build a bridge, shine a light”.

