A arte de trocar de sistema operacional
Abandonando a ignorância e a passividade.
Tela do Omarchy.
Andei espiando o Omarchy, uma distribuição Linux ajambrada pelo polêmico empreendedor dinamarquês David Heinemeier Hanson (DHH). Mas o texto a seguir não será o típico review que você encontra na Internet1. Meu foco é outro: qual é a relação psicológica que temos com sistemas operacionais?
Primeiro, o essencial sobre o Omarchy. Pule pra próxima sessão se você não quiser saber sobre isso.
Omarketing
Pra quem a distribuição é destinada? Programadores. Usuários não técnicos terão dificuldades com o processo de instalação e uso.
O que traz de diferente? Coloca o gerenciador de janelas Hyprland no primeiro plano. O usuário é convidado a usar o teclado (em vez do mouse) como modo principal de gerenciar o computador.
O design do Omarchy é supostamente bonito e flexível. É possível escolher entre vários temas e customizá-los facilmente. Nos sistemas proprietários, você é (basicamente) obrigado a se adaptar às escolhas dos fabricantes.
Omarchy é uma distribuição que reflete (explicitamente) os gostos, opiniões e workflows de DHH.
DHH vem tentando vender o Omarchy como uma espécie de revolução. Ele acredita que seu design é inovador. E que está fazendo um favor ao usuário ao pré-instalar aplicativos como uLauncher, Obsidian, Lazyvim, entre outros.
O “meu” sistema é melhor
Decidi ignorar os debates em torno das posições políticas de DHH. Afinal, o Omarchy é só um mexidão criado a partir de ferramentas desenvolvidas por muita gente, com visões diversas.
Ainda assim, é interessante investigar a empolgação e atividade de DHH. Elas revelam outro sistema operacional, um que é psicológico e (também) político. Esse não conseguimos instalar em computadores. Mas também o desenvolvemos e fortalecemos diariamente, por meio do uso da tecnologia.
DHH é, basicamente, um novato no Linux. Após 20 anos trancado no MacOS, está impressionado com a liberdade e capacidade do Pinguim, um sistema que, há décadas, está por trás de praticamente toda a Internet.
O dinamarquês montou sua distribuição e, em vez de se satisfazer em usá-la, decidiu lamber e exibir a cria. E seu marketing usa um discurso superado faz tempo: o de que o Linux é feio, bugado e difícil. Acho fofinho quando as pessoas descobrem que sempre há mais liberdade. O som de uma bolha estourando pode ser bonito.
Ao trazer um visual diferenciado, o Omarchy mostra que outros designs são possíveis, que outras experiências existem. Mas, essencialmente, o Omarchy revela outro sistema operacional: o do techbrolismo. Ainda é a Apple falando: vamos criar um design “minimalista”, usar palavras de outras culturas (fora de contexto) e juntar a isso um discurso messiânico, salvacionista. Vamos criar um hype, incitar FOMO e causar um Tsunami de dopamina.
Sistemas invisíveis
O conceito de sistema operacional não existe pra maioria de nós. Abrimos o computador e é aquilo. Aquilo da Apple, aquilo da Microsoft, aquilo do Google. Às vezes, nem isso. Não reparamos na marca, quanto mais no funcionamento.
E não se trata de conformidade. É algo mais fundamental e passivo, a ignorância. Ela tem um aspecto nublado, sonolento, como alguém que não quer acordar de um sonho.
Funciona pra qualquer coisa: tecnologia, economia, política, alimentação e (principalmente) o gerenciamento da mente. Não sabemos que temos um sistema operacional, achamos que as coisas funcionam assim e pronto. Que saco, me deixa. Alguém que decida por mim. Chame o ChatGPT.
É a ignorância que possibilita o hype (do DHH, da Apple, da OpenAI, etc.):
Hype = ignorância + marketing + repetição.
Além da ignorância
Somos atravessados e forjados pelas nossas ignorâncias. E elas se inter-relacionam em camadas. Derrubamos uma, há mais 200.
Mas a parte trágico-divertida, é que a vida é uma máquina de destroçar ignorâncias. Não conseguimos ficar seguros por muito tempo. A questão é se aceitamos o processo ou se continuamos a tentar remendá-las.
DHH diz que o principal desafio da sua migração pro Linux foi lidar com os hábitos do MacOS. Esse foi seu momento de humildade, de ferida narcísica. O nascimento da liberdade. Passado o susto inicial, DHH começou a enxergar as novas possibilidades.
Ele poderia ter parado por aí e entendido que não há um sistema perfeito. E que, ainda assim, é possível criar sua própria jornada. Mas (na minha interpretação, claro) foi pego pelo sistema operacional tech bro: vamos decidir tudo por conveniência, criar o Omarchy e bombá-lo por todo universo.
Isso traz vantagens e desvantagens. De qualquer forma, ainda prefiro um mundo com diversidade: Omarchy, Anarchy Linux, Ubuntu, Zorin OS, Fedora, etc. Mas, definitivamente, desconfio do hype, que é a essência do techbrolismo.
Tecnologia é uma ferramenta. Quero me empolgar com muitas coisas, não só isso.
Se você quer um desses, sugiro o do Tedium.

