A maior previsão para o próximo ano
Bônus: como o desgaste da Internet pode levar ao Novo Renascimento.
Eu ia deixar você em paz nos feriados. Mas não consegui resistir à vontade de comentar o vídeo abaixo. Nele, o autor faz uma previsão que considera otimista: a de que o atual desgaste da Internet pode levar a uma Nova Renascença.
O que isso significa? Aí a coisa complica. São duas épocas extremamente debatidas. É difícil até de resumir o vídeo. São muitos pontos instigantes e (principalmente) polêmicos. Mas vou tentar destacar alguns, apontando nuances e possíveis riscos.
Do conteúdo onipresente ao estudiolo
Estudiolo era uma espécie de biblioteca / escritório individual medieval. Coisa pra elites. Mas a ideia, em si, é interessante: criar limites e fronteiras pro processamento de informação. Definir um local, horários e atitudes psicológicas pra lidar com conhecimento. Ou, pelo menos, questionar a ideia de quem usa informação o tempo todo seja particularmente esperto. A ideia é se opor ao consumo onipresente e casual de informação. Em vez de entretenimento industrial, estudo e responsabilidade.
Volta às fontes
O autor do vídeo acredita que a proliferação do slop digital (humano e de IA) traz um desejo de “voltar às fontes”. No mundo medieval, isso significava (basicamente) reler os Clássicos da filosofia e teologia. Hoje, significaria:
Usar mídias físicas – livros, jornais, CD, vinil etc.
Risco: criar um mercado de luxo e escassez artificial.Buscar aprofundamento – rejeitar os conteúdos de reação instantânea e claramente criados pra agradar algoritmos.
Riscos: reforçar cultos laicos, com pessoas apenas elogiando umas às outras e vivendo em bolhas supostamente profundas. Surgimento de formalismos e regras rígidas.Busca por fontes autoritativas – confiar apenas em pessoas ou instituições reconhecidas como tradicionais e qualificadas.
Risco: revalorizar crenças ingênuas em instituições, especialistas e mídias do passado.
Revalorização da humanidade
É uma reação ao modelo industrial, superficial e impreciso dos ambientes digitais automatizados (IA e algoritmos). Isso implicaria na:
Busca por conteúdo artesanal – conteúdo considerado humano, cheio de “defeitos” e vulnerabilidades.
Risco: criar uma espécie de mercado paralelo do tipo brechós de luxo. Exemplo: calças Levis “distressed” encontradas em minas abandonadas nos EUA e vendidas (no Japão) por milhares de dólares (aos americanos). Algo como um mercado de antiguidades ou até galerias de arte.
Mudança na linguagem
Comunicação mais diversa e local – O autor do vídeo considera a linguagem da IA como o ápice do “dialeto de Internet” (um inglês cheio de expressões corporativos e jargões midiáticos que acabaram migrando pro off-line). O esgotamento dela criaria linguagens mais autênticas e diversas.
Risco: localizar demais a comunicação ou tentar padronizá-la de um jeito rígido.Revalorização da vulnerabilidade / cansaço do sarcasmo – Um processo claramente já em andamento. É parte da reclamação que a extrema-direita tem feito contra a linguagem woke.
Risco: Criar vulnerabilidades artificiais, sinalização de virtude e performance. Instigar estilos de comunicação ainda mais violentos e conservadores pra se opor à linguagem considerada respeitosa e positiva.
Enfim, enfim, enfim. Muita coisa pra debater nesse vídeo. Vou parar por aqui pro texto não ficar gigante.
O importante é lembrar que os historiadores sérios falam em Renascenças. Não em um único bloco de artistas criativos que, de repente, surgiram pra povoar o mundo de inovação e criatividade1, derrubando os senhores feudais.
Nossa época mistura elementos de muitas outras. E, ao mesmo tempo, traz contextos diferentes pra ideias e ideologias do passado. Então, afinal, qual é a utilidade de fazer previsões? Seria apenas mais uma forma de clickbait ou uma espécie de horóscopo sociológico?
Universos paralelos
Minha sensação é que o melhor jeito de entender as mudanças culturais é manter uma postura de observar universos paralelos em formação. Soa hippie. Mas vamos lá.
A cada segundo, surgem novas zonas temporais de autonomia e de aprisionamento. Cada ideia, cada fenômeno contém os potenciais pros seus próprios extremos, autodestruição e regeneração.
Por isso, definir tendências, prever cenários, é um exercício de arrogância, vulnerabilidade e de doses gigantescas de ingenuidade. Mas é isso que temos pra hoje.
Previsão previsível
O método de análise pra esse caos ordenado foi divulgado há mais de 2 mil anos:
Os fenômenos são interdependentes e impermanentes.
E, quanto mais vocês os analisa, mais a linguagem se mostra ineficaz pra compreendê-los. Ainda assim, aquilo que é dito gera consequências.
As coisas e as ideias têm uma qualidade parecida com a dos sonhos: são ilusórias, mas não podem ser ignoradas, já que trazem efeitos, sofrimentos e alegrias. Além disso, temos o hábito de acreditar em ilusões e de até precisar delas.
Essa é a tal maior previsão de fim de ano. Previsão estrutural, universal, aparentemente. Servindo bem pra servir (desde) sempre.
PS – Se você ainda não está cansado, segue mais um link analisando a transição das redes sociais:
Aliás, essa é a versão Modernista dessa história.


