O nascimento da Superinteligência
A IA já está saindo da moda.
Parece que a Inteligência Artificial já está ficando obsoleta. O negócio agora é a Superinteligência Segura, ou melhor, SSI.
O responsável pela (futura) façanha é o ex-membro da direção da OpenAI, Ilya Sutskever. Ele se juntou aos empreendedores Daniel Gross e Daniel Levy pra montar uma nova companhia, cujo nome super modesto é, exatamente, SSI.
A empresa tem até um website minimalista. Nele, lemos que os sócios pretendem não se deixar levar por coisas como lançar produtos e se adaptar a objetivos comerciais de curto prazo. Segurança é a principal preocupação.
Mas a (intencionalmente pequena) equipe da SSI já considera estar enfrentando o "mais importante problema técnico da nossa época". E suas armas são a "engenharia revolucionária e as inovações científicas". Aplausos.
Não que a SSI tenha algo pra mostrar agora. Mas terá. Confie.
Imagine essa lógica aplicada a uma padaria:
– Eu gostaria de fazer um pedido.
– Claro! Teremos uma super baguete revolucionária, feita com as técnicas inovadoras!
– Parece bom. Me manda duas. Com manteiga, na chapa.
– Err… Não temos o produto ainda.
– Não? E quando sai?
– Rapidamente!
– Rapidamente é o quê? 15 minutos?
– Não sei, não queremos nos preocupar com pressões imediatistas do mercado. Na verdade, nem mesmo em lançar um produto.
– Interessante… O que você tem pra agora, então?
– Nada. Mas o futuro será incrível! E seguro!
– Então por que você anunciou que a bendita padaria está aberta?
– Pra dizer que estamos trabalhando no maior desafio culinário da nossa época.
– Entendi.
– Mas no nosso ritmo.
– Ok. Posso, pelo menos, usar o banheiro?
– Ainda está em construção.
– Mas será genial, aposto!
– Revolucionário!
Não é que eu queira ridicularizar esses engenheiros, que têm um currículo que eu levaria 200 vidas pra acumular. Só quero entender o que mudou na sociedade.
No passado, as empresas escondiam as ideias até o último minuto. Se algum funcionário vazasse um segredo, seria oferecido como churrasco, com vinagrete. Agora, o hype antecede o produto. Quer dizer, nem precisa de produto. O hype é o produto.
Outra coisa intrigante é o uso da palavra "seguro". Aí está a humanidade, debatendo há milhares de anos o que isso significa. E chegamos a poucas conclusões.
Na verdade, humanos não parecem entender muito do assunto. Cedo ou tarde, acabamos nos metendo em guerras, fabricando doenças, destruindo civilizações e, pelo jeito, até o planeta.
Mas, é claro, o pessoal da IA está baseado em inovações científicas e engenharia revolucionária. Assim como o pessoal da Revolução Industrial. Mas agora elas são muito melhores. Mais rápidas. Mais seguras. Ah, esses barões do óleo, que se achavam o máximo.
A grande pergunta aqui é que condições culturais permitem que os engenheiros da IA (ou SSI) pensem dessa maneira tão confiante. O extremo do individualismo empreendedor do século 20, potencializado pela hegemonia da indústria do entretenimento? O salvacionismo herdado de alguma interpretação do cristianismo?
O que faz alguém levantar da cama, escovar os dentes e ir pro trabalho, achando que vai revolucionar o mundo? O que faz com que essa pessoa não se sinta um impostor? E o que leva a sociedade acreditar nisso?
Veja: no passado, profecia era coisa pra… profetas. Agora, democratizamos a profissão. Moisés? Esse amador, escrevendo na pedra e dividindo mares. Nós vamos superar os humanos. Mas amanhã, que hoje estou ocupado.
E se o pessoal da OpenAI tivesse sido educado na Dinamarca, em vez dos EUA? Seria influenciado pela Lei de Jante e valorizaria mais a coletividade, em vez de declarar coisas como… saber o que é seguro? Nem mesmo uma enquetezinha pra saber o que outras pessoas acham que isso significa?
Não sei. Não sei. Melhor perguntar pra Superinteligência. Eu mal consigo entender as letras dos testes de CAPTCHA.