Nós somos nossas rotinas
Como estar num outro país e, ainda assim, não visitá-lo.
Ruínas em Mérida, no México.
Minha passagem pelo México já está quase no fim. Passou rápido. E a missão principal (receber ensinamentos budistas), aparentemente, foi bem sucedida. Mas confesso que não me conectei muito com o país. Ou, pelo menos, com a região que visitei, Mérida.
Não é culpa do México. Turistas se divertem horrores com os cenotes, as ruínas e as pirâmides da civilização Maia. A comida é excelente.
Eu é que não tive tempo de explorar o local mais profundamente, já que estou trabalhando numa série de podcasts pra uma agência.
Faz parte. É o sabor agridoce do trabalho remoto: por um lado, ele me possibilitou vir pra cá. Por outro, me manteve no computador. Não posso reclamar.
A vida de um “nômade digital” é mais um exemplo de que nós nos tornamos a nossa rotina. Você pode estar em Bali, mas, se gasta 10 horas por dia no Google Docs, está nesse outro “país”, o Google.
Andando por Mérida, você vê as camadas culturais se misturando constantemente. Um pouco de Maia, um muito de catolicismo. E a digitalidade saindo dos aparelhos e impregnando cada pessoa, cada prédio. Um QRCode abaixo de Nossa Senhora de Guadalupe. A praia caribenha transformada em Instagramável.
De alguma forma, todos os países fazem fronteira com a Meta, Google, Amazon, Microsoft e Apple. Talvez, apenas a China escape um pouco disso. Se bem que, quando estive lá, dei um jeito de acessar o Gmail. E também carregava um iPhone.
Em Mérida, as diferentes camadas culturais estão mais visíveis do que nos lugares que frequento normalmente no Brasil.
Você encontra carros absolutamente podres, sem para-choques dianteiros, se arrastando pela cidade ao lado de Nissans e caminhonetes RAMs típicas dos EUA. Parte do transporte público parece sobreviver à base de durepox.
No entanto, as pessoas carregam celulares novos. Pudera: passamos mais tempo “dentro” deles do que nos ônibus.
O corpo está virando esse mediador um tanto desconfortável dos desejos dos nossos avatares, das nossas identidades digitais.
O que me leva a perguntar: como serão os turistas da próxima civilização? Que pirâmides visitarão? Talvez nossas pilhas de lixo plástico, fast food, fast fashion, fast info.
Quando visito ruínas de um povo poderoso como foram os Maias, não consigo parar de pensar na impermanência sutil e contínua das culturas. Elas vão se misturando e dissipando a cada dia, diante dos nossos olhos. Num certo momento, olhamos pra trás e percebemos o tamanho da transformação.
Ainda assim, o mato insiste em crescer em cada ruína de grandezas obsoletas – mato não tem preconceito. Os pássaros cagam nas nossas construções mais ambiciosas. Os sinais digitais somem entre uma tempestade e outra.
Tudo também parece obedecer a rotinas. Rotinas são a essência da identidade.
Trilha sonora
LA LOM - Cumbia Arabe. LA significa Los Angeles, e LOM é League of Musicians.