Porque desconfio dos upgrades

Às vezes, você clica no botão atualizar, mas pode acabar no passado.

Porque desconfio dos upgrades
Super entusiasmado pra fazer um upgrade.

A tecnologia é um dos melhores destruidores de conceitos já inventados. Por exemplo, a oposição entre progresso e retrocesso.

Em tese, um ↑ upgrade causa melhorias. ↓ Downgrade é obsoleto, talvez até perigoso. Note as metáforas: Up, pra cima. Down, pra baixo. Céu está acima, inferno a baixo. No topo da hierarquia, no fundo do poço.

Chamam isso de dualismo. Está espalhado por toda a cultura.

Porém, a tecnologia se move de modo tão rápido, caótico e ideológico que é muito fácil perceber as limitações do pensamento binário. Você faz o tal ↑ upgrade e acaba ↓ deprimido, porque surgem novos (e velhos) problemas. Tudo ao mesmo tempo.

A seguir, surgem “novas” soluções, que, na verdade, estão mais pra reciclagens. Muitas vezes, o proponente não conhece as versões originais. Acha-se um inovador porque está desinformado. Ignorância é uma das formas mais comuns de conseguir autoestima.

Ao implementar a tal novidade, o inovador acorda monstros do passado. Ou cria as sementes do “reacionarismo”, porque muitos se cansam de promessas e querem nostalgias. O problema é que, quando o reacionário tenta voltar ao passado, percebe que é impossível. Acaba num simulacro. E num possível ressentimento.

Como diria Heráclito, não há como pisar num rio duas vezes. O rio e a pessoa mudam constantemente. Sem falar da percepção da coisa toda.

Pensei nisso ao ver o novo design de um dos mais tradicionais blogs da Internet, o Kottke.org. Como explica o autor, Jason Kottke, ele tentou criar algo 2024, mas acabou num visual de blog do começo dos 2000.

O Google “atualizou” as regras de SEO pra melhorar o conteúdo da sua busca (ou seja, oferecer resultados mais relevantes, como no passado). Basicamente, está combatendo spams que suas próprias regras e atualizações ajudaram a criar.

Há pouco tempo, o algoritmo do TikTok era considerado mágico: conseguia nos oferecer praticamente todo o conteúdo que desejávamos. Agora, também está cheio de spam.

Muitos de nós tentamos “voltar” ao mundo analógico e a meter as mãos na Terra. Mas descobrimos que os equipamentos, a natureza, e, especialmente nós, mudamos. Até certo ponto, viramos cosplays do que éramos no passado. E, sinceramente, tudo bem. Fazer o quê?

Dualismo é o nosso brinquedo mais antigo. Mas o cotidiano parece explodir as metáforas binárias a cada segundo. Isso nos causa uma certa vulnerabilidade, uma melancolia sutil, de quem precisa lidar com os conceitos e respeitá-los, mas sem acreditar demais neles.

É tipo um frio na barriga. Com sorte, com algum calor no coração. Você clica no botão ↑ upgrade, mas já sabe que a jornada pode levá-lo pra qualquer lugar. ↓ ↔ ↖ ↗↝ ↻⟿ ⥁∞. Perdidos no espaço.