Fuga de NY, versão 2024
Rascunho pra uma série no universo do velho filme de John Carpenter.
Outro dia, o escritor Daniel Galera comentou que reviu o filme de 1981, Fuga de Nova York, de John Carpenter.
Clássico absoluto. Traz os usuais comentários sócio-políticos do diretor, além de inúmeros fans services, como a participação do maestro Isaac Hayes, do bangue-bangue à italiana, Lee Van Cleef, entre muitos outros.
Respondi ao Galera que alguém deveria fazer um remake desse filme. Ou melhor: um seriado, pra poder desenvolver melhor os personagens e, especialmente, o universo em que eles vivem.
No filme, Nova York vira uma penitenciária. Mas os presos apenas foram largados na cidade e impedidos de sair. Não há uma gestão policial lá dentro. Cada um que sobreviva como puder. Então, o clima é pós-apocalíptico e cheio de gangues.
Cabe a um bandidão, Snake Plissken, entrar no local e resgatar a filha do presidente, que foi sequestrada e transportada pra lá.
Mas, se o universo me pedisse pra desenvolver essa série spin-off, eu não me focaria em Snake. A ideia seria explorar o que significa viver numa megalópole abandonada pelo resto do mundo Moderno.
Até porque a atual NY já está um tanto distópica. A cidade vive uma crise de imigração jamais vista. É que, lá, existe uma lei que garante 60 dias de abrigo gratuito pra qualquer imigrante que solicitar o serviço.
Claro: imigrantes estão fluindo pra lá aos milhares. Inclusive de outros estados dos EUA. Tanto que a prefeitura chegou a tentar impedir a chegada de certos tipos de ônibus na cidade. O prefeito argumenta não haver lugar pra hospedar tanta gente. Em especial porque a especulação imobiliária impera em NY. O aluguel de qualquer buraco custa uma fortuna.
E esse é só um aspecto do problema. A criminalidade vem aumentando, as enchentes acontecem com mais frequência, as condições sanitárias deterioraram e a prefeitura se diz tão endividada a ponto de ter que diminuir a frequência da coleta de lixo.
E o que isso tem a ver com o remake de Fuga de NY? Ora, a ideia seria partir da atual condição da metrópole e imaginar o que aconteceria se o governo simplesmente abandonasse o local.
Totalmente. Sem luz elétrica, sem internet, sem polícia, sem serviços básicos. O problema teria chegado a um ponto tão crítico que as elites abandonariam NY pros imigrantes, pobres, minorias, etc. A cidade se tornaria um polo de diversidade e experimentação social.
Mas e a distopia? E as gangues, as drogas e a pancadaria? Existiria, claro. Mas não como única possibilidade.
Por que somos obrigados a imaginar que o abandono das elites significaria o total colapso da cidade? Por que pensar que ela só poderia se transformar num buraco cheio de bandidos?
E se as comunidades subvertessem as administrações dos seus bairros, implementassem autogestão e aprendessem a sobreviver, reciclando as ruínas do mundo capitalista? E dando outros significados pras estruturas atuais.
É isso que eu gostaria de ver na série Fuga de NY 2024. A diversidade de vida nos bairros. As gambiarras. Os sistemas políticos. As novas crenças. Os amores. A comunicação. Os novos dialetos. Um pouco como no álbum Cidade, de Juan Giménez e Ricardo Barreiro. E se NY “prosperasse”, mas de um jeito que não cabe nas narrativas de sucesso contemporâneas?
É um pouco preguiçoso imaginar que, se não temos a combinação mercado e governo, descambamos em distopia. A humanidade está neste planeta há milhares de anos e acabou se virando. Não foi e não será fácil. Mas não só distopia.
Quando foi mesmo que o cinema virou um subgênero Hobbesiano, mostrando que, sem repressão, só existe caos social?
Basicamente, eu queria ver os detalhes, o cotidiano dessa sociedade da reciclagem. Afinal, ainda não consigo aceitar a ideia de que toda a criatividade e colaboração, de repente, foi extirpada da espécie humana.
Meus tarata-tarata-tarata-tarata-tarata-avós de outras civilizações merecem algum respeito. Não eram só um bando de animais comendo as tripas uns dos outros.