Estamos descobrindo, não criando a IA

Entrevista com pesquisador da Anthropic mostra que IA se parece um tanto com arte e religião.

Como não poderia deixar de ser, hoje, na conferência da Apple pra desenvolvedores, a WWDC, o assunto principal foi a IA. A OpenAI entrou em campo pra ajudar a Apple a integrar recursos do ChatGPT aos sistemas operacionais da empresa.

Quando assistimos às apresentações dos CEOs da BigTech, temos a impressão de que estamos construindo a IA. E rapidamente. Mas não é bem assim. Na verdade, estamos “descobrindo” como ela funciona.

Parte dos pesquisadores sérios e desenvolvedores que navegam fora do tsunami do marketing e do hype da imprensa especializada, insistem que a IA está mais pra caixa-preta.

É o caso de Josh Batson, um dos acadêmicos que trabalham na Anthropic, da Amazon. Numa imperdível entrevista ao podcast Hard Fork, ele conta os bastidores das interações com modelos de linguagem e as descobertas que seu time vem fazendo ao longo desses meses de aceleramento.

Algumas são surreais. Por exemplo, os pesquisadores criaram um modelo de teste de IA baseado em informações sobre a Golden Gate Bridge, em San Franscisco, Califórnia. Aos poucos, perceberam que o chat acreditava ser a própria ponte.

Mais que isso. Conseguia responder a qualquer questão criativamente, mas tinha que relacioná-la à construção. Você pergunta: quem é o melhor jogador de futebol? Pelé ou Maradona? A IA responde: Pelé, porque ele cruzou a Golden Gate mais vezes durante sua vida. Veja por si.

Batson mudou bastante minha concepção da Corrida pela IA Generativa, que estamos assistindo de camarote. Eu tinha uma ideia do quanto os pesquisadores da área estão “produtivamente perdidos”. Mas não imaginava o quão profundo é esse estado de espanto e descoberta.

É impreciso e limitante chamar de criação ou desenvolvimento esse processo de lidar com a IA. Sim, os coders produzem aplicativos, têm resultados visíveis, que parecem controlados e mensuráveis. Mas, no fundo, o processo é mais parecido com a arte: você não sabe, exatamente, quem começou, ou quem conduziu o trabalho. Nem se ele foi concluído. Você aprende enquanto faz, é criado pelo ato de fazer.

As maquinações racionais não dão conta da complexidade da interdependência. É muita coisa pra calcular, prever, acertar e entender. No entanto, é tudo o que temos.

Mas esse é um processo 200% baseado em fé. Não sabemos o que está sendo inventado. Só imaginamos que seremos capazes de controlar e tirar vantagem dessa “criação”.

A sociedade contemporânea se considera racional, leiga e irreligiosa. Mas vivemos numa camada grossa de fé, de crença numa terra digital prometida. O Planeta Paraíso, a atualização dos humanos, a vida além das inconveniências da vida, talvez, sejam algumas das formas de religião mais fortes já inventadas. E o novo Vaticano está ali, além da Golden Gate.