De um dia pro outro, sua vida mudou

A gente reclama da impermanência. Mas odeia a estabilidade.

O espaços entre os plot twists da minha vida têm ficado cada vez mais curtos. Não sei se é a idade ou a aceleração geral da contemporaneidade. Talvez, os dois.

Fato é que, há algumas semanas, eu tinha um segundo semestre agitadíssimo pela frente, com entregas de roteiros semanais e sete meses de pagamentos fixos. De repente, o programa que estava escrevendo foi cancelado.

Olhando pra trás, a sensação é estranha. É como assistir à série original do Star Trek: o futuro que eu imaginava há pouco, agora parece retrô.

De certa forma, todo calendário é retro-futurista. Obsolescência programada. As interfaces de aplicativos como o Google Agenda deveriam ser projetadas com animações de turbulência. Você tentaria inserir um compromisso e ele se recusaria a encaixar no bloco. Seria uma espécie de calendário sincero.

Há dois dias, eu estava com bombeiros no meio de uma floresta na Califórnia. Agora, o mais parecido com isso seria tomar café no Bomba, no centro de São Paulo.

Parece que estou chorando as pitangas. Mas não. Vida de escritor freelancer é assim mesmo. Estou nisso há mais de 20 anos. A gente se vira.

Mas, se eu contasse essa história num roteiro, diriam que "a transição está dura". Na verdade, eu mesmo nem senti a mudança como brusca.

Estamos nos acostumando com os jumpcuts. Já estranhamos quando as transições se dissolvem lentamente umas nas outras, ou quando há um aviso no meio.

Conheço até pessoas que desenvolveram certa ansiedade quando as coisas parecem muito "estáveis". É como se algo ruim estivesse pra acontecer. O leão pular da pedra. O marido ter um afair.

Ou seja: a pessoa desenvolve não só o medo da mudança mas, também, da estabilidade. Você precisa mudar de cenário, de aplicativo, de parceiro(a), de casa, etc. Fear of Missing Out. E fear of NOT be missing out.

Ao estudar a impermanência, geralmente, penso em algo externo, um fenômeno do qual sou vítima. Mas raramente como um processo filtrado pelo desejo e pela cultura, cheio de tesão e dopamina.

Desse ponto de vista, a impermanência está mais pra hábito, prática e fonte de prazer. Afinal, mesmo quando nos causa dor, ela nos dá aquele sentimento de "estar vivos", de "ser alguém", ou de procurar por alguma coisa. Esse é o problema.

É possível que, um dia, as mudanças da vida deixem de ser big deal e virem apenas movimento (sucessões de estados emocionais e condições cotidianas).

E aí a impermanência deixaria de ser entretenimento? Então, eu apenas seguiria passo a passo, fazendo o melhor que der naquele dia?

Impermanência é um jogo arriscado. Mas é certo que tememos ainda mais a ausência de drama.


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