Você não é bem-vindo neste aplicativo

E se a migração entre aplicativos fosse como a entre países?

Você acorda indignado com o seu aplicativo favorito de redes sociais. Não dá mais pra ficar ali. É hora de mudar pra alternativa mais hypada da semana.

Você abre uma nova aba do navegador, cria a conta no serviço, recebe um e-mail de confirmação e, pronto, teje migrado.

Agora, tente apenas visitar outro país.

Você precisa de visto, vender o fígado pra comprar uma passagem, raio-x na saída, chegar vivo no local, raio-x na entrada e enfrentar a entrevista na imigração.

"Qual é o motivo da sua visita?"
"Turismo".
"Quanto dinheiro você trouxe? Onde vai se hospedar? Quanto tempo vai ficar? Cadê a passagem de volta?"

Você será filmado e catalogado. Seu histórico será gravado pela aduana, polícia federal, etc. etc.

Mas o que, efetivamente, se pode fazer num outro país? Muitas coisas, claro. Essencialmente, trabalhar, se divertir, se comunicar e gastar dinheiro. Pra cada objetivo, uma permissão específica.

E o que se pode fazer em aplicativos de social media? Trabalho, diversão, comunicação, comércio. Você pode até mesmo organizar golpes e atos de terrorismo, certo?

Ainda assim, por enquanto, as redes sociais são consideradas apenas pelo ângulo da liberdade de expressão.

Alguns aplicativos têm até mais usuários do que a população de muitos países. E lidam com situações mais complexas do as de muitas aduanas. Não são apenas pessoas debatendo ideias.

Então, por que o Estado (e a administração dos aplicativos) ainda não descobriu o controle de fronteiras? Como é que ainda não temos algum tipo de polícia na porta de entrada, o cadastro dos programas?

Dois motivos. Primeiro, os governos ainda estão presos a ideias tradicionais de território. Segundo, boa parte das empresas por trás das redes sociais é dos EUA. Ou seja: pra economia e política do país, é interessante que o mundo inteiro dependa dos seus aplicativos.

Mas a situação parece estar mudando. Cada vez fica mais claro que a atuação de alguém on-line pode causar sérias consequências off-line. Os governos estão começando a perceber que a política está migrando (oops) e se expandindo pra novos tipos de espaços, fronteiras e temporalidades.

É de se espantar que todo o controle das redes sociais ainda seja adiado pro momento da moderação. Se, historicamente, tivemos que aprender a aceitar (e, em alguns casos, solicitar) o controle do ir e vir, quanto tempo até isso chegar ao mundo digital?

Teremos coisas como passaportes, vistos e check-ins pra circular na Internet? Teremos controle de "bagagens" cognitivas?

Não é absurdo imaginar que, em breve, poderemos ser impedidos de migrar de aplicativos, que haja algum tipo de histórico de navegação e uma autoridade querendo saber das suas intenções, já na tela de cadastro.

Pensei sobre isso ontem, na fila de um consulado, em São Paulo. É que estou num processo de pedir cidadania espanhola. Já entreguei vários formulários e documentos, passei por alguns raio-x. Naquele momento, migrar de aplicativos me pareceu ser absurdamente fácil.

Mas até quando?