Steve Albini vai fazer muita falta

A carreira de Albini ia muito além de produzir Pixies, Nirvana e bandas underground dos EUA.

Steve Albini vai fazer muita falta
Steve Albini, usando seu tradicional macacão.

Acabou de ser divulgada a notícia de que Steve Albini morreu, aos 61 anos.

O engenheiro de áudio teve um enfarto enquanto trabalhava no seu próprio estúdio, o Electrical Audio. Faleceu em seu tradicional macacão, em campo, cercado das bugigangas vintage e instrumentos raros que usava em suas gravações.

Albini começou a carreira como jornalista e fanzineiro. Aprendeu a produzir na marra, pra gravar as bandas dos amigos e dar vazão aos seus próprios projetos musicais, como o Shellac e o Big Black.

Aos poucos, se tornou símbolo de uma sonoridade crua e energética, ao gravar bandas como Pixies, Nirvana e inúmeras outras – não só no universo do rock.

Mas, ao longo dos anos, quatro lados de Albini me interessaram particularmente:

  1. O historiador da tecnologia. Ele foi um dos primeiros a combater o hype das tecnologias digitais. No melhor estilo, “novo não significa necessariamente melhor”. Segundo Albini, os formatos analógicos vêm se mostrando mais longevos e seguros. No mundo digital, as companhias têm maior poder de decidir como e quando tornar formatos obsoletos. Albini temia que parte da cultura contemporânea ficasse inacessível no futuro.
  2. O exemplo de ética. Albini fazia questão de cobrar preços justos pelo seu trabalho e pelo aluguel do estúdio. Inclusive, ficou clássica a história da carta que ele enviou ao Nirvana, recusando uma bolada de dinheiro pra gravar o álbum In Utero. Ele não queria que seu “salário” fosse calculado conforme a fama (ou poder aquisitivo) da banda. Rejeitou receber até mesmo a tradicional porcentagem dos direitos autorais do disco.
  3. O professor de engenharia de áudio. Albini era um excelente comunicador, sabia explicar seus métodos de gravação de um jeito simples, mas extremamente detalhado. Também era um grande resenhista / historiador de equipamentos.
  4. A trajetória de vida. No começo de carreira, Albini era conhecido por ser desbocado. Ganhou a fama de ser um “asshole” graças aos seus textos agressivos pra fanzines. Mas, conforme foi envelhecendo, assumiu uma postura cuidadosa, respeitosa e sóbria. Quanto mais famoso foi ficando, mais declarava que não tinha o direito de intervir na liberdade criativa dos artistas. Esse é até um dos motivos pelos quais adotou o uso de macacão, como uniforme. Albini se considerava uma espécie de mecânico do áudio. Não um produtor com toque divino.

Junto com Ian MacKaye, do Fugazi, Steve Albini foi um dos meus heróis de adolescência. Ainda que eu não gostasse muito das letras e do som do Shellac, Big Black e Rapeman. De qualquer forma, essa postura ética do underground dos anos 1990 definiu minha trajetória de vida. Na real, define até hoje.

Vamos torcer pra que esse legado continue por muito tempo.

Obrigado, Albini.


PS - Preciso confessar uma fantasia realmente constrangedora que eu mantinha em algum neurônio enferrujado. Um dia, eu queria gravar com Albini. Sério. É que eu tinha uma banda e um catálogo de músicas, que pretendia registrar analogicamente. Só pra mim e alguns amigos (que demonstraram interesse pelo material, na época). Não parecia um sonho tão impossível – Albini cobrava um preço pagável. Mas, agora, já era.