Se a web morrer, eu escrevo num guardanapo
35 anos de web, 35 anos reclamando que ela não é mais a mesma.
Semana passada, a web fez 35 anos. Como de praxe, seu criador, Tim Berners-Lee, comemorou escrevendo sobre as atuais ameaças à web e aos valores que inspiraram sua invenção.
Os problemas continuam sendo o aceleracionismo capitalista e sua nova encarnação, a Inteligência Artificial Generativa. Tim Berners-Lee acredita que uma possível saída pra web pode vir do Fediverso (do Mastodon, BlueSky, etc).
O artigo me deu uma sensação de deja-vu. Tive a impressão de já ter chorado esse pranto antes.
Dá até pra dizer que essa web a que Berners-Lee se refere durou apenas uns 5 anos. De lá pra cá, parte da tecnologia sobreviveu, mas mutações não pararam de acontecer. Não só estruturais, mas, principalmente, socioeconômicas.
Todos os fenômenos estão em constante mutação, certo? Por que não a web? Basicamente, ela se fragmentou em múltiplos “universos paralelos”. Eles coexistem, mas nunca em suas formas originais: alguns ideais sobrevivem como memórias idealizadas, outros como reciclagens. E por aí vai.
Então, não existe “a Web”. Existem webs, que nascem e morrem a cada minuto. Numa delas, ainda é possível encontrar projetos parecidos com a web pré-comercial.
Mas não adianta procurá-la no Google e nas redes sociais (mesmo no Fediverso). É como pagar o tíquete do blockbuster e reclamar que o filme não era indie. Quem quer algo diferente, precisa parar de frequentar os mesmos sites e seguir as mesmas lógicas.
Ainda conseguimos usar a Internet sem algoritmos (vide RSS). Ainda há inúmeros projetos não-comercialóides por aí. Nem precisamos de um Fediverso Salvador. Ou de um protocolo divino.
Se há pressão pra monopólio, também existem inúmeros undergrounds, tanto os intencionais (idealizados e estruturados), quanto os que acontecem por acidente – por exemplo, quando emprestamos livros, conversamos com alguém diferente nas ruas, etc.
Nosso grande problema é o apego à “grande narrativa”. O grande nascimento. A grande destruição. A grande fama. O grande salário. O reconhecimento máximo. A depressão inescapável. A felicidade final.
Nós amamos os super dramas. Não gostamos de procurar detalhes. Nem das histórias incoerentes e complexas, que acontecem o tempo todo.
Tenho impressão de que a liberdade surge do hábito de apreciar as incoerências, os espaços nos quais as narrativas não são monolíticas. Mas quem tem estômago pra aguentar entropia e incerteza?
Com ou sem a web de Tim Berners-Lee, cultura, conexão, cooperação, tudo isso será constantemente reinventado. Aparentemente, é o que acontece há milênios. Podemos até precisar da web. Mas não exclusivamente dela.
Se a Inteligência Artificial Generativa avacalhar a web, eu vou escrever em guardanapos.