Rock não morre, faz terapia
Metallica lança mais um álbum sobre saúde mental.
Foto: Tim-Saccenti.
O disco novo do Metallica, 72 Seasons, foi lançado na semana passada. Para mim (adolescente desde o final dos anos 1980), a banda é como um tio de quem raramente me lembro, mas sempre dou alguma atenção quando surge com novidades.
Claro, o Metallica não é só uma banda, é um fenômeno de mídia. Assim como o finado System of a Down, que acabou de atingir 1 bilhão de streamings no Spotify com uma música lançada há 22 anos. O que me sugere que o dad-rock é outro daqueles cadáveres salubérrimos (como diria Nelson Rodrigues).
Mas o mais interessante é que ambas as bandas basicamente fazem sucesso explorando o mesmo tema: saúde mental (ou ausência de). “Chop Suey!“, do SOAD é sobre tirar a própria vida. E uma das faixas do novo Metallica traz o seguinte refrão:
Miséria — ela precisa de mim
Mas eu preciso dela mais
Miséria — Não vou viver para ela
72 Seasons é um álbum temático. Todas as letras trazem uma postura de “estou sofrendo, me ouça”. Mas, como James Hetfield sabe que muitas pessoas vão fazê-lo exaustivamente, tenta deixar uma mensagem positiva. Provavelmente, é o que ele diz para si: “calma, consigo segurar, vou sair dessa”.
Evidentemente, de um jeito mais ou menos cifrado, Hetfield sempre escreveu sobre seus fantasmas. Os álbuns anteriores geralmente quicavam entre a autocomiseração, a revolta e a vontade de sobreviver. Quem sou eu para condenar?
O que mudou foi a descoberta do impacto do discurso sobre os outros e sobre si. Assim, 72 Seasons é bem um disco da nossa época: cuidado com o que fala.
No meio de todo o big business que é a empresa de entretenimento chamada Metallica, eu arrisco dizer que exista sinceridade. No passado, isso significava falar sobre badernas e agressividade. Agora, sobre cuidar de si e tentar não destruir os outros.
A postura arrogante, infantil, de chutar o balde, migrou para os bilionários do Vale do Silício. Elon Musk parece ser uma espécie de novo Mötley Crüe.
A suposta revolta, que já foi o valor máximo do rock, foi uma tese testada empiricamente. E percebemos que, como muitas outras, não é absoluta: ajuda aqui, atrapalha ali, traz consequências inesperadas e pode ser cooptada por diversas facções ideológicas. Nem mesmo a ideia de “responsabilidade” está livre de desconfiança. Pode gerar coisas como o Altruísmo Efetivo.
Então, não sei se é tão ruim assim que milhares de pessoas se reúnam num estádio para gritar em uníssono “não vou viver para ser miserável” em vez de “morra pelas minhas mãos”.
No fundo, se o rock (ainda) é uma música de catarse e busca por saúde mental, melhor que soe a terapia do que a disrupção estilo Vale do Silício.
Perguntar não ofende
A Internet não é mais cool. Virou obrigação e cansaço. O que seria o vinil, a fita K7 do texto? Quer dizer, um formato de consumo mais lento, mais elaborado, mais “colecionável”? Não necessariamente mais caro. Livro? Fanzine? Revista experimental com tiragem limitada? Cartões postais? Não sei.
Tech
- Jampack é uma ferramenta facilita a otimização de sites criados com geradores de sites estáticos.
Mídia
- O pecado original da indústria de mídia: acostumar as pessoas ao conteúdo gratuito e abrir as portas para anunciantes.
- Ernie Smith, do Tedium, acredita que estamos num momento de transição da Internet. No link, ele traça uma história das mudanças mais importantes da comunicação on-line.
- O BuzzFeed News fechou as portas nessa semana. Mas parte da equipe já está com um projeto novo, o Semafor. E tentando criar um “novo” formato para artigos jornalísticos.
- Rodrigo Guedin diz que o Substack é a maior ameaça às newsletters que já existiu. Concordo. Mas acho que o estrago maior à cultura (em geral) veio bem antes: acostumar “as massas” a pensar como empreendedores, a medir e comparar popularidade, a calcular desempenho e a produzir com periodicidade regular. Essa lógica não nasceu das redes sociais. É consequência da sociedade industrial. Substack é mais um dos tubarões tentando monopolizar esse oceano, já cheio de plástico. E, assim, ajuda a esvaziá-lo.
Aleatoriedades
Após uns 7 ou 8 anos, preciso comprar tênis. Por isso, tive que pesquisar sobre o assunto (o que refletiu no texto de quarta, que citava o Adidas Samba). Mas a verdadeira revelação da empreitada foi algo chamado “barefoot shoes”, “calçados descalços”. Têm solas mais finas, são flexíveis e deixam os pés relativamente livres para se fortalecer. Não deve ser nenhuma novidade, eu é que sou leigo. Mas achei interessante. E estranho.
Música
Admito que gostei dessa música do novo disco dos pais do hyperpop, 100 Gecs. Soa como algo saído de Hermes & Renato. Mas esse vocoder do refrão me dá um nó nos tímpanos.
- The Zolephants prova que o surf rock ainda tem algo a acrescentar à musica. Destaque para dub-indie-surf “Scratch”.
- Strange Bedflow é uma banda japonesa de indie rock garageiro. “Paper Beach” é uma balada setentista que, às vezes, lembra Rolling Stones, às vezes Velvet Underground. Sei lá.
É isso por hoje. Obrigado por ler. Obrigado a todos os apoiadores.
Até a próxima,
Eduf