Uma das invenções mais cruéis da indústria do entretenimento é o encurtamento do conteúdo. Tweets, shorts, frases curtas, vídeos de 60 segundos, essas coisas.

O problema aqui não é, exatamente, criar material superficial e sensacionalista. Nem sempre algo curto é simplista, vide poesia e aforismos.

Em diversas tradições de budismo, os textos curtos são um instrumento fundamental. Podem ser usados pra incitar estudo e contemplação; pra “criptografar” um conhecimento que, depois, é decodificado gradual e experiencialmente (com a ajuda de um professor); como manuais pra cerimônias feitas em grupo; e até pra dar um curto-circuito na mente racional (no caso dos koans).

Enfim, como diz o clichê, tamanho não é documento.

O “conteúdo” curto parece ser mais fácil de consumir. Dá a impressão de que você não vai gastar muito tempo ali, de que o custo do engajamento será menor. Por isso, pode gerar um comportamento de consumo repetitivo.

Vamos fazer o seguinte expriemento mental: o que você faria se tivesse 10 minutos “livres”?

  1. Assistiria a 10 vídeos de 1 minuto ou
  2. 10 minutos de um longa-metragem?

Se você vive em 2025, escolheria provavelmente a opção 1. Teria a sensação satisfatória de chegar ao fim de um conteúdo.

Porém, segundo as atuais práticas da indústria do entretenimento, cada filme curto terminaria sugerindo outro. Ou seja, você experimentaria, ao mesmo tempo, sentimentos de satisfação e de insatisfação: “já assisti” e “preciso assistir mais”.

Talvez, continuasse consumindo vídeos curtos compulsivamente, gastando até mais tempo do que seria necessário pra finalizar o longa inteiro. E ficaria mais cansado mentalmente, o que aumentaria a sensação de que conteúdos longos têm custo de engajamento maior.

Essa é a crueldade / oportunidade da indústria cultural de 2025: chamar atenção pra eficácia das práticas curtas e repetitivas.

Essa é uma técnica que algumas tradições budistas tibetanas exploram há milênios: “short times, many times” (pouco tempo, muitas vezes). Em vez de tentar se forçar a meditar 2 horas por dia de uma só vez, seria mais efetivo fazer muitas práticas curtas ao longo do dia.

A indústria do entretenimento usa essa técnica pra nos incitar a duas coisas:

  • criar o hábito do consumo constante de mídia
  • e a nos treinar pra enxergar todos os fenômenos como se eles fossem mídia.

Mas podemos usar a mesma prática pra criar o hábito de meditar, ou de fazer outras coisas que consideremos importantes.

Esse é o tema de um episódio recente do Dharma Lab, videocast dos neurocientistas Dr. Cortland Dahl e Dr. Richard Davidson. Recomendado pra pessoas que precisam de confirmações científicas pra técnicas ancestrais.

No meu caso, já é o suficiente lembrar de que podemos reverter o feitiço do TikTok e usá-lo pra algo mais relevante.

Revertendo o feitiço do Tiktok

A técnica do ”curto e contínuo” pode ser usada pra muito mais do que assistir a vídeos.