Redes sociais não são apenas aplicativos
Será que basta conectar todos os publicadores ao fediverso?
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No domingo passado, contei que The Verge está tentando criar um hype em torno do seguinte discurso: as redes sociais proprietárias estão morrendo e o futuro da web está nos protocolos abertos, como ActivityPup (Mastodon e Trends) e AT (Bluesky).
Essa conversa está longe de ser nova. Mas, nos últimos anos, o mercado da tecnologia tem se movimentado de hype em hype (metaverso, cripto, IA e por aí vai). Esse virou o estilo de comunicação da imprensa especializada no assunto. As startups já aprenderam a incitar sucessivas ondas de entusiasmo e a surfar nelas.
Assim, no dia 23/04, a empresa por trás do Ghost (que uso pra fazer essa newsletter) lançou seu manifesto pro ActivityPub. Nele, anuncia uma parceria com o Buttondown pra acelerar a entrada dos sistemas de publicação independentes no chamado fediverso.
Ou seja, os usuários poderão compartilhar conteúdo automaticamente com o Mastodon, entre outros. Também receberão feedback imediato das suas postagens. E, claro, estarão expostos às metáforas e ritmos das redes sociais: números de seguidores, alto volume circulação de informação, comentários curtos e superficiais, etc.
O que isso significa na prática? Que as interfaces do Ghost, Buttondown, WordPress e outros publicadores poderão se tornar cada vez mais parecidas com as redes sociais. Ainda que uma versão “aberta” delas, sem o patrocínio e o controle (direto) da Big Tech.
Se optar por ativar a integração, toda vez que o autor logar no site pra escrever, poderá ver uma tela parecida com a do (ex)Twitter, Facebook, etc. Será induzido a entrar no espaço mental, nos hábitos cognitivos forjados por anos de convivência com as redes socais proprietárias.
O que me leva a perguntar: as redes sociais morreram mesmo? Ou suas técnicas e metáforas continuam se expandindo e migrando pra todo tipo de sites e aplicativos? Pense em como até alguns sites de e-commerce, como a Amazon, hoje em dia, se parecem com redes sociais.
Nos esquecemos de que o estilo de comunicação das redes sociais foi criado num ambiente de aceleracionismo neo-feudalista. Quer dizer: as metáforas, os hábitos de consumo, de interação e de produção de conteúdo usados no Twitter, Instagram, etc., foram desenvolvidos pra enriquecer investidores, otimizar a venda de anúncios e "engajar" usuários.
Assim, o problema das redes sociais não é apenas uma questão de propriedade, de quem controla os aplicativos. É um problema de linguagem, de interface e de design.
Não vejo muita vantagem no fediverso se ele apenas copiar o ambiente cognitivo desenvolvido pela Big Tech. Ou pior: se recusar a criar uma alternativa baseada em outros valores.
Precisamos de novas metáforas, novos ritmos e objetivos de comunicação. Outros sons, outras batidas, outras pulsações. Não de espalhar os valores da Big Tech pra todos os publicadores independentes.
Se continuarmos nesse caminho, apenas mudaremos o estilo de dependência: em vez de usar os aplicativos da Big Tech, usaremos os servidores da Amazon, Microsoft e Google (ou de algum revendedor deles).
Se queremos resgatar os valores da velha Open Web é preciso estudá-la melhor. E se livrar da crença nos objetivos, lógicas e hábitos desenvolvidos pela Big Tech.