Redes sociais não são apenas aplicativos

Será que basta conectar todos os publicadores ao fediverso?

Redes sociais não são apenas aplicativos
John O'Nolan, fundador do Ghost, sistema de publicação usado nesta newsletter

No domingo passado, contei que The Verge está tentando criar um hype em torno do seguinte discurso: as redes sociais proprietárias estão morrendo e o futuro da web está nos protocolos abertos, como ActivityPup (Mastodon e Trends) e AT (Bluesky).

Essa conversa está longe de ser nova. Mas, nos últimos anos, o mercado da tecnologia tem se movimentado de hype em hype (metaverso, cripto, IA e por aí vai). Esse virou o estilo de comunicação da imprensa especializada no assunto. As startups já aprenderam a incitar sucessivas ondas de entusiasmo e a surfar nelas.

Assim, no dia 23/04, a empresa por trás do Ghost (que uso pra fazer essa newsletter) lançou seu manifesto pro ActivityPub. Nele, anuncia uma parceria com o Buttondown pra acelerar a entrada dos sistemas de publicação independentes no chamado fediverso.

Ou seja, os usuários poderão compartilhar conteúdo automaticamente com o Mastodon, entre outros. Também receberão feedback imediato das suas postagens. E, claro, estarão expostos às metáforas e ritmos das redes sociais: números de seguidores, alto volume circulação de informação, comentários curtos e superficiais, etc.

O que isso significa na prática? Que as interfaces do Ghost, Buttondown, WordPress e outros publicadores poderão se tornar cada vez mais parecidas com as redes sociais. Ainda que uma versão “aberta” delas, sem o patrocínio e o controle (direto) da Big Tech.

Se optar por ativar a integração, toda vez que o autor logar no site pra escrever, poderá ver uma tela parecida com a do (ex)Twitter, Facebook, etc. Será induzido a entrar no espaço mental, nos hábitos cognitivos forjados por anos de convivência com as redes socais proprietárias.

O que me leva a perguntar: as redes sociais morreram mesmo? Ou suas técnicas e metáforas continuam se expandindo e migrando pra todo tipo de sites e aplicativos? Pense em como até alguns sites de e-commerce, como a Amazon, hoje em dia, se parecem com redes sociais.

Nos esquecemos de que o estilo de comunicação das redes sociais foi criado num ambiente de aceleracionismo neo-feudalista. Quer dizer: as metáforas, os hábitos de consumo, de interação e de produção de conteúdo usados no Twitter, Instagram, etc., foram desenvolvidos pra enriquecer investidores, otimizar a venda de anúncios e "engajar" usuários.

Assim, o problema das redes sociais não é apenas uma questão de propriedade, de quem controla os aplicativos. É um problema de linguagem, de interface e de design.

Não vejo muita vantagem no fediverso se ele apenas copiar o ambiente cognitivo desenvolvido pela Big Tech. Ou pior: se recusar a criar uma alternativa baseada em outros valores.

Precisamos de novas metáforas, novos ritmos e objetivos de comunicação. Outros sons, outras batidas, outras pulsações. Não de espalhar os valores da Big Tech pra todos os publicadores independentes.

Se continuarmos nesse caminho, apenas mudaremos o estilo de dependência: em vez de usar os aplicativos da Big Tech, usaremos os servidores da Amazon, Microsoft e Google (ou de algum revendedor deles).

Se queremos resgatar os valores da velha Open Web é preciso estudá-la melhor. E se livrar da crença nos objetivos, lógicas e hábitos desenvolvidos pela Big Tech.