Quem é mais esperto do que o ChatGPT?

Obviamente, não são só os computadores que escrevem sem saber do assunto.

Quem é mais esperto do que o ChatGPT?

Responda rapidamente: qual é a diferença entre um texto do ChatGPT e o de um humano? Fácil: a IA não sabe o que diz, apenas prevê a próxima sentença, baseada em padrões e estatísticas.

Você consegue garantir que nunca produziu um texto usando o mesmo método? Ou melhor: você sempre sabe do que está falando? Consegue captar os fractais de interdependências que surgem à cada frase? Provavelmente, não. E é por isso que existem os exegetas, os críticos literários e essa prática quase em desuso hoje em dia, a releitura.

Seguir em frente sem entender o que se faz é um dos nossos hábitos mais naturais. Segundo neurocientistas, usamos as predições e apostas feitas pelo Default Mode Network até para andar.

O mestre budista Jigme Lingpa dizia algo como “tudo o que pensamos é generalização, tudo o que dizemos é vago”. É uma das principais características da linguagem: imprecisa, mas funciona, gera resultados e consequências. É um jogo, ao mesmo tempo, perigoso e prazeroso.

Pense em como as conversas phaticas (small talk, conversa fiada) mudaram nos últimos anos. Se, antes, fazíamos comentários genéricos sobre o tempo, hoje nos aprofundamos, citando detalhes que encontramos na Internet. Provavelmente, soamos mais meteorológicos do que nossos avós.

De modo geral, não sabemos bem do que falamos. A conversa phatica precisa ser vaga. Seu objetivo principal não é ser correta, é criar um ambiente de coesão social, de aceitação - ou, como se diz, “quebrar o gelo”.

Em alguns casos, a imprecisão é intencional: falamos para ignorar e omitir. Mais ou menos como quando perguntamos “tudo bem?” e a pessoa responde: “tudo” (mas, na verdade, quer destruir a galáxia a marretadas).

Conversa nerd-phatica

Nos últimos anos, a Internet causou um curto-circuito na comunicação: nerdificou a conversa phatica e “phatificou” parte do conhecimento. É cada vez mais comum consumir história, ciências e até religião usando os hábitos e padrões que usávamos em papos de elevador. Não só isso: transformou o resultado dessa prática em produto.

Esse movimento de confluência cognitiva e econômica ajuda a entender porque fake news, desinformação e teorias conspiratórias mobilizam tanta gente. É uma junção de fatores:

  1. Consumimos cada vez mais informações vagas. Constantemente. É impossível investigar todas as nuances do que é publicado nessa velocidade.
  2. A indústria das redes sociais nos acostumou a dar opiniões sobre tudo e a compartilhá-las rapidamente.
  3. Nos habituou a usar o conhecimento para buscar validação social imediata.
  4. As estruturas de validação de ideias se descentralizaram. Quer dizer, migraram para o vizinho, para o pastor local, para o influencer, para o amigo do Zap, etc. Obviamente, isso tem lados positivos e negativos.

Assim, todos damos conselhos não-solicitados. Sobre assuntos que não entendemos. Para pessoas que, possivelmente, não vão prestar muita atenção. Nem checar as informações que receberam. Como reclamar da falta de consciência do ChatGPT?

A phatificação do conhecimento e a nerdificação da conversa fiada são tendências que, aparentemente, vieram para ficar. São o lado mais invisível do consumismo. Como todo o resto da indústria da conveniência e do entretenimento, precisa produzir lixo e descartá-lo em algum lugar - o que vai causar problemas depois.

Deve demorar algum tempo para desenvolvermos uma ecologia das ideias. Mas eu suspeito que esse movimento só vai surgir quando aprendermos a amar (ou, pelo menos, deixar de temer) o velho e bom tédio.


Desculpem-me pelo atraso nessa semana. Estava ralando no Hotel California, conforme o vídeo abaixo.