Você recebeu uma mensagem da IA

O que o hype da Inteligência Artificial tem a dizer sobre a cultura das últimas décadas?

Você recebeu uma mensagem da IA
Sam Altman, CEO da OpenAI, dona do ChatGPT.

A melhor conversa (sobre tecnologia) que eu ouvi neste ano aconteceu no podcast de Ezra Klein. O colunista do New York Times convidou o editor do The Verge, Nilay Patel, pra debater sobre o hype da Inteligência Artificial.

É uma tecnologia claramente imatura, desregulada e potencialmente perigosa - pelo tanto de desinformação que cria. Sequer sabemos se o planeta terá condições de produzir a quantidade de energia necessária pra sustentar seu uso em massa. A indústria depende, basicamente, de apenas uma companhia pra poder continuar operando. Fora que, muitas vezes, a tal IA é, na verdade, bem orgânica.

Parece coisa da série Silicon Valley, mas não é. O drama / comédia é real.

Mas, claro, a ideia aqui não é escrever mais um texto pra te estressar. E é por isso que citei o podcast de Ezra Klein com Nilay Patel.

Em algum momento, os dois se perguntam qual seria “a mensagem” da IA. O que o hype em torno dessa tecnologia estaria tentando dizer? Segue o meu palpite.

Depois da Segunda Guerra Mundial, criamos a cultura do Entretenimento, que é, essencialmente, o monopólio do prazer. Aos poucos, a diversão, se tornou mídia, com um ritmo contínuo e industrializado. Além de ser associado a um produto.

Viagem virou turismo. Andar no mato virou hiking (com botas especializadas, metas, logotipos, North Face, smartwatches). Carpintaria virou hobbie (com power tools, visitas à Leroy Merlin, uso de tintas e materiais específicos). Parte das artes virou produção de conteúdo. E por aí vai.

Limitamos nossa dieta de diversão, assim como aprendemos a comer apenas três ou quatro tipos de produtos industrializados (considerados baratos).

Assim, cada vez sabemos menos sobre nossa vida cotidiana. Nosso mote é “alguém é pago pra entender e pra cuidar disso”. O que implica perder diversas possibilidades de usufruir de prazeres que não dependem da mediação de empresas e da mídia.

A mesma lógica se aplicou aos perigos do cotidiano. “Alguém é pago pra entender e pra cuidar disso”. Quero apenas o produto pronto, bonito, empacotado do jeito mais sedutor possível. Quero sentir que estou voando pra Marte, ainda que meus pés estejam enterrados na lama.

O que, finalmente, nos leva à mensagem da IA. Na superfície:

“Não quero saber, apenas me faça feliz. Ou me livre de um problema”.

Estamos cansados, perplexos, querendo resolver tudo rapidamente. Chega de desafios.

Porém, isso também significa que, nas últimas décadas, nos limitamos e fechamos muitas “portas da percepção”. Ainda que pareça que tenhamos aberto outras, gigantescas, revolucionárias... sci-fi.

No fundo, a maior parte dessas inovações gira em torno da ignorância dos processos cotidianos e dependem do consumo. São tentativas e erros mascaradas de genialidade. Concentram os prazeres em experiências de mídia. Categorizam os corpos. E nos deixam obcecados em expandir, gerar mais fama e dinheiro.

O hábito de viver diariamente sob essa cultura é o que permite que usemos IA achando que estamos tirando uma enorme vantagem.

É porque não pensamos sistematicamente. Apenas naquilo que a máquina cospe à nossa frente. Ou, melhor, que ainda consegue cuspir.