Honestidade é o caminho. Honestidade é a fruição.
– Tulku Urgyen Rinpoche.
Essa frase vem me obcecando há alguns dias. É que, por algum motivo, sempre pensei em honestidade quase como uma propriedade. Ou você possui, ou não.
Talvez algo transmitido por herança, com escritura e contrato. Meu avô dizia: “Honesto sou eu, Ernesto é meu irmão”. Então, caberia a mim manter a linhagem.
Mas a frase de Tulku Urgyen leva a coisa pra, pelo menos, dois outros níveis.
O primeiro é mais intuitivo: caminho. Você não chega a um patamar final de honestidade, desenvolve e refina essa qualidade ao longo do tempo e dos contextos de vida.
Digo contexto porque você pode ser mais honesto no trabalho do que nos relacionamentos, ou falhar completamente em ser sincero consigo. Nada aqui é linear, estático e circunscrito.
Você coleta feedback, aprofunda experiências e faz descobertas o tempo todo. Num certo sentido, honestidade é uma camada de ingenuidade esperando pra ser revelada.
E uma coisa é a intenção, outra a prática. Por isso, honestidade é um caminho, uma jornada, não um destino.
Agora, como fruição, a história se complica.
“Fruição” é um jargão usado no budismo tibetano. Pode ser interpretado como resultado de um treinamento. Mas não é só isso: é um estilo de vida que surge depois que você enxerga hábitos nocivos e, naturalmente, os abandona (ou percebe que eles se dissiparam por si).
É um processo que se retroalimenta. O resultado, o “pagamento”, a consequência da honestidade seria… mais honestidade.
Ela não é praticada pra atingir uma liberdade teórica, idealizada. Num certo sentido, honestidade já é a liberdade. Isso porque você reconhece a futilidade da manipulação. E aprende a confiar que não será destruído pela sinceridade.
Aos poucos, começa a confiar no processo de abertura e de empatia. É o que nos impede de virar sincericida, ou alguém inábil, rígido, autocentrado.
Honestidade é uma radical desconfiança da eficácia das maquinações e projeções. A consequência é que tudo tem de passar por negociação e entendimento. Assim, não há uma situação perfeita, estável e desprovida de fricção.
Ser honesto é a única saída quando você entende que tudo é impermanente, que não há como “resolver” a existência humana em definitivo, e que, em especial, a linguagem carrega instabilidade, caos e incerteza em si.
O cansaço da desonestidade
Às vezes, quando abrimos os feeds de notícias, temos a impressão de que mergulhamos num fluxo de desonestidade. Em vários níveis: do crime organizado ao autoengano, do artesanal ao digital / industrial.
Mas essa própria mecânica, a luta entre as desonestidades, produz um cansaço que traz o sentimento (cada vez mais urgente) de busca por honestidade.
Em especial aquela que nasce da auto-observação, da introspecção. Como diz o ditado indiano, não adianta tentar cobrir o mundo de couro, eu é que preciso usar sapatos.
Então, a honestidade surge como prática e estilo de vida. Como caminho e também fruição. Em vez passar o dia inteiro tentando consertar inúmeras maquinações, deixar a coisa toda dissolver.
PS – Meu avô falava com o mesmo dialeto paulista antigo das músicas dos Demônios da Garoa. Realmente, tinha um irmão chamado Ernesto. E pior: ele morou no Brás.
::::::::::::::
Links
- NotebookLM, só que open source e sem o Google.
- Douglas Rushkoff parece concordar com o que eu venho dizendo já há uns anos, que a IA generativa pode “desumanizar” a Internet. Ou seja: vai produzir e já consumir o conteúdo (viraria A Grande Caixa de Spam). Por um lado, isso parece uma liberação – deixar os marketing bots brincarem entre si, sem que eu precise me envolver. Rushkoff vai além e acha que esse processo vai nos desencantar da própria linguagem. Uou.
::::::::::::::
“Minimalistas são acumuladores de espaço”
– Mariel Hespanhol Torres
Preciso ser honesto com você
Honestidade é uma prática, não um destino.