Talvez uma das maiores doenças da Modernidade seja a intolerância aos processos. De modo geral, ela surge no ambiente de trabalho, mas também influencia a criação artística e até os relacionamentos.

Por exemplo, você quer escrever um livro, mas não pesquisar, reescrever e editar. Quer lavar a louça, mas não meter a mão na esponja. Quer comer bem, mas sem pensar em ingredientes e métodos de preparo.

É uma espécie de ansiedade contínua: você quer o resultado, mas não o trabalho. É melhor que tudo venha rápido e de graça.

Ao longo do tempo, essa intolerância vai se refinando: você rejeita cada vez mais os processos e os classifica como “esforço”. Assim, aceita ficar mais dependente de ferramentas e empresas que prometem facilitar nossas vidas.

Ao longo do século 20, fomos condicionados a pensar dessa maneira. É o que nos levou a aceitar coisas como fast food, fast fashion e fast politics (demagogia, populismo, líderes machões, salvacionistas, etc.).

Não importa como o produto ou as ideias são feitas, nem suas consequências. Alguém vai cuidar disso e pagar por isso. Que não seja eu.

A promessa é que, um dia, no próximo update, chegaremos a esse estado utópico de tempo livre. Mas, o que acontece diariamente é que, a cada ferramenta criada, surgem novas tarefas e outras complicações. A máquina de lavar implica num técnico pra consertá-la, num atendente do SAC, no financiamento pra comprá-la, no sabão específico pra caber naquele modelo.

Não existe simplicidade, apenas transferências de quem entende os processos. De modo geral, pendendo pra elitização do conhecimento. Há apenas algumas décadas, meu avô sapateiro era capaz de fazer pequenos consertos num carro. Hoje, até certos mecânicos especializados não conseguem. Tente trocar a memória de um computador da Apple de 1995 e de um de 2024.

Aliás, imagine quando o novo sistema da Apple, com IA, estiver disponível e começar a responder seus e-mails. Provavelmente, será como um super autocomplete: cheio de novos… desafios. Afinal, o método de trabalho influencia diretamente os resultados.

Não é questão de tentar evitar novas tecnologias. É apenas entender que não podemos medir o mundo em termos de progresso, regresso, atualização e superação. Precisamos olhar por diversos ângulos. Nada é linear e permanente. Veja bem: até o fascismo voltou da tumba (deve ter sido enterrado no Pet Sematary).

A vantagem de ter uma visão complexa e não-linear da tecnologia é que você cria imunidade ao hype. E evita entendê-la como entretenimento. Ou base pra auto validação. Basicamente, a ideia é usá-la com moderação, como uma ferramenta. E considerar que, às vezes, usar um método de trabalho obsoleto pode ser um prazer.

No mínimo, é mais um processo, que levará a um outro resultado. Uma bota feita à mão por um especialista, geralmente, é diferente de uma criada por máquinas (ando obcecado por botas).

Responder um e-mail pessoalmente pode ser uma forma de respeito. Ou um convite pra fazê-lo de um jeito inteligente, evitando que surjam outros e-mails escritos de forma robótica e sem atenção.

Em especial pra criação artística, os são processos são, muitas vezes, mais importantes do que o resultado. Ignorá-los é jogar fora muitas ferramentas potencialmente poderosas.

Por que todo mundo quer facilitar minha vida?

A doença da intolerância aos processos.