Uma cidade cheia de truques
San Rafael, na Califórnia, quer dar um nó na minha cabeça.
San Rafael, que poderia estar em Minas Gerais. Ou no interior de São Paulo.
Hoje é o último dia da minha turnê pela Califórnia em 2023. Fui convidado a passá-lo na cidade de San Rafael. Ela vem me proporcionando alguns momentos mindfuck bem interessantes.
A começar pelo slogan do local: “a cidade que tem uma missão”. Parece bem mais rígido do que o “keep Austin weird”, da capital texana. Mas menos arrogante do que o Non Ducor Duco, paulistano. De qualquer forma, cria um fenômeno particular pra cérebros cultivados na língua portuguesa.
Você deve estar se perguntado: que missão tão importante é essa? Pois é. A palavra missão, aqui, não significa objetivo a ser conquistado fervorosamente, ou as tarefas supostamente impossíveis de Tom Cruise.
Missão é uma espécie de igreja católica espanhola, a Missão de São Francisco de Assis. Que, aliás, era uma figura cheia de propósitos fervorosos. Alguém que, provavelmente, enfrentou mais obstáculos do que Ethan Hunt. Então, afinal, a missão tem a ver com uma missão. Mas não diretamente. Enfim.
Não estou enrolando. Citei esse assunto por outro motivo. San Rafael foi a cidade em que senti o quanto o Brasil é um país mais isolado do que lixo nuclear. E não por causa do inglês, mas pelo espanhol. É praticamente a língua oficial aqui.
Quando as pessoas descobrem que sou brasileiro, começam a falar espanhol comigo. E aí as coisas desandam, porque não sou exatamente fluente nessa língua. Então, surge um momento mindfuck. “O Brasil não fica na América Latina?” Sim. Mas, sabe como é. Falamos português. E passamos um tempo tentando imitar os franceses. Depois da Segunda Guerra, os norte-americanos. “Ah, tá”.
Ser brasileiro é uma coisa tão solitária. Você é convidado a entrar numa espécie de clube, o dos latinos nos EUA, mas não trouxe o ingresso. Tem que voltar a falar a “língua do patrão”. Faz parte.
Esse é apenas um dos mindfucks locais. Outro, é a presença dos moradores de rua. Eles ocupam todos os tipos de lugares. São pequenas comunidades, três ou quatro barracas, espalhadas por diversas praças e ruas. Não são como as favelas brasileiras, gigantes, crescendo na porta dos bairros ricos. Aqui o fenômeno parece mais individualista: um Tesla, uma barraca. Um a um.
Escrevo numa espécie de vila, cheia de casas térreas minúsculas, construídas como se fossem uma pintura de M.C. Escher. Não fazem o mínimo sentido. O quintal de um apartamento dá pra entrada de outro. O quarto é a principal entrada da casa. Uma parede é feita de drywall, outra de compensado, outra de blocos. É uma cidade cheia de truques cognitivos, desde o slogan.
Enfim, dá pra reconhecer a criatividade de quem tem que se virar sem recursos. O improviso. A gambiarra. Essas coisas que devem estar em algum lugar do DNA latino. Da missão latina, por assim dizer. Ainda que eu seja daquele país que se recusa a se misturar com o resto da turma, de alguma forma, falamos a mesma língua.
Música
A clássica banda shoegazer Slowdive está de volta. GenXers já podem dividir essa música com seus amigos GenZ e parecer cool.
Aliás, aproveite e já compartilhe essa nova do Breeders.
Só falta um revival da Blockbuster agora.
Ideias
Casas mais baratas, construídas por cooperativas, que não buscam lucro. Como a cidade austríaca Viena tenta resolver os problemas de habitação locais.
É isso que consegui juntar, entre uma mala e outra. Até a próxima, já em solo brasileiro. Se tudo der certo.
Abraço,
Eduf