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Estou lendo The Creative Act: A Way of Being, do prestigiadíssimo produtor musical, Rick Rubin (acima).
Rick fundou o selo Def Jam nos anos 1980 e foi um dos responsáveis pela popularização do hip-hop. Desde então, trabalhou com muita, mas muita gente diferente: de Slayer a Johnny Cash e Red Hot Chili Peppers. É tido como um Midas contemporâneo: onde toca, surgem discos de Platina. E se especializou em reciclar artistas em baixa.
Mas agora ele assumiu de vez o tom de guru de Malibu (onde fica seu estúdio, Shangrila). Seu livro é uma mistura de ensaio com poesia e autoajuda. Se você esperava um compêndio de histórias de bastidores e insights das suas relações com músicos, vai se decepcionar.
Mas, em si, até que The Creative Act é interessante. Particularmente se você gosta de Catching The Big Fish, do cineasta David Lynch. E de frases um tanto herméticas, que podem ser decodificadas em momentos de busca por inspiração. Não chega a ser um Oblique Estrategies, de Brian Eno, mas tem um pé nesse estilo de comunicação.
Basicamente, Rubin pega algumas ideias que circulam há anos entre meditadores de várias cepas e tenta aplicá-las ao ato criativo. Por exemplo, o exercício de se conectar com tipos de percepção menos centrados na burocracia do ego (e em seu desejo de controle). Também considera a arte mais como uma atitude, um estilo de vida, do que a produção contínua de produtos físicos e/ou digitais.
Como autor, Rubin trabalha no nível do sample, misturando fragmentos de ideias debatidas por vários teóricos, historiadores e filósofos da arte, além de tradições religiosas, sem se preocupar em dar muito crédito. Nisso, é um livro bem atual: é meio assim que nos comunicamos no cotidiano, de um jeito geek, mas impreciso. Muitas vezes, sem saber direito o que é a ideia, de onde ela veio, mas, tudo bem, no final acaba funcionando. A Era da Bricolagem.
O único problema desse método, é que ele é tão, digamos, solto, que não percebe sua própria ambiguidade e contradição. Por exemplo, Rubin passa páginas nos recomendando relaxar e depois se sai com o seguinte verso, sozinho, enfático, numa página:
Olhe para o que você percebe
mas ninguém mais vê.
Pronto, estamos de volta ao mundo do ego: “o que será que só eu percebo? Como saber se mais alguém viu isso? Essa é uma percepção original?”
Enfim, se você quer um livro que realmente leva a ideia da arte sem ego às suas consequências, minha sugestão é True Perception, de Chogyam Trungpa. Provavelmente, artistas vão brigar com o livro o tempo todo. Já o texto de Rubin está mais para relaxar, pensar um pouco e voltar ao trabalho. Ainda assim, é bem melhor que hustle culture.
Música
Vocês viram que o Dave Lombardo, ex-Slayer, lançou um disco instrumental, focado em percussão? E cheio de swing?
E por falar em clássicos do metal, eu também não sabia que existe outra banda chamada Anthrax, só que na Inglaterra e tocando punk rock old school. Mais: também tem uma música chamada Misery Loves Company. Parece coisa de universo paralelo.
Universo Paralelo
O que também levou a lembrar que o ator Lance Reddick faleceu nesta semana. Meu trabalho preferido dele está numa série que falava de multiversos antes disso virar moda, a Fringe, de 2008. Obrigado, Phillip Broyles.
SXSW e o colonialismo Tech
Você, brasileiro, passou seus anos de formação consumindo cultura norte-americana. Parte dos produtos que usa diariamente ou têm nomes em inglês, ou, pelo menos, vêm escritos na língua. Até suas camisetas têm frases (meio que sem sentido) no idioma.
Seu caminho espiritual é a cultura pop dos EUA. Você gasta muito tempo e dinheiro com ela. Seus valores, objetivos, prazeres e dores são baseados nela. Sua ideia de transcendência é ser reconhecido como inovador e disruptivo. Ou melhor, vencer na hustle culture. E, claro, não viver sempre ansioso por conta de dinheiro.
Você praticamente não lê mais livros, passa o dia pulando de um micro fragmento de informação para outro, todos gerados em redes sociais norte-americanas ou pela imprensa de entretenimento tecnológico, a Tech Pop. No máximo, usa um TikTok, que é chinês.
Lê sobre inovação, sobre ferramentas “revolucionárias”, carros elétricos, mas não pode sair na rua com aquele seu novo iPhone, por medo de ser roubado — ou morto. Em alguma tela, vê que o crime organizado causou caos numa cidade do norte do país.
Então, algum diretor de marketing aparece com a ideia genial de ir para a SXSW, em Austin, Texas. Um funcionário cuidará da burocracia do visto. Talvez até pague a conta de todo o processo.
Finalmente, você sentirá o gosto daquilo que vê no celular.
Gente moderna e antenada. Festas logotípicas (cheias de marcas por todos os cantos). Maconha legalizada. Whole Foods. Patinetes elétricos cotidianos, sem o apelido de “Faria Limer”. Conversará sobre coisas que lhe parecem importantes. Poderá comprar bugigangas e esconder na mala. Ao cruzar a South Lamar Boulevard, espiará a canoagem no Rio Colorado, em vez do lixo do Tietê e de ficar alerta para possíveis sequestros.
Além disso, poderá colocar no currículo, no ego e nas redes sociais que esteve lá, no centro do universo da Tech Pop. Ainda que a SXSW (e Austin, coitada) não tenha mais aquela respeitabilidade do passado. É uma Disneylandia para (certo tipo de) adultos.
Melhor: tudo isso sem precisar ficar mais tempo no país e conhecer os problemas da vida de imigrante.
Não faz o mínimo sentido, né? Por que 2 mil brasileiros foram para a SXSW em 2023? Mistério.
(E por que será que há quase 2 milhões de brasileiros morando nos EUA?)
ChatGPTismo
Consegui brincar de ChatGPT 4. Dizem que é uma tecnologia revolucionária, mas meu teste foi bem simples: traduzir um texto meu para o Inglês.
Nisso, não percebi melhorias em relação à versão anterior. Continua tentando emular meu estilo do português e cria um texto que não soa nativo.
A diversão começou quando selecionei um parágrafo e pedi para reescrevê-lo nos estilos de Ernest Hemingway, Hunter S. Thompson e David Foster Wallace. Os resultados me sugeriram maneiras mais interessantes de adaptar “minha voz” para o Inglês. Inclusive, me ajudaram a questionar minha escrita em português.
Conclusão do experimento: preciso parar de ler artigos sobre tecnologia e gastar mais tempo com bons livros.
Não bingou
Novo teste de IA. Tentei procurar por algo bem obscuro no novo Bing. E o que pode ser mais desconhecido do que a banda de um homem só que tive no começo dos anos 2000?
Abri o chat da Microsoft e digitei “Peruano Saudita”. Não encontrou conteúdo. Pediu desculpas e me ofereceu coisas relacionadas com as duas palavras, em separado. Só de raiva, abri outra aba do navegador, testei no Google e encontrei algumas coisas.
Até aí ok. Mas a parte mais interessante é que, após a busca frustrada, a caixa de diálogo do Bing foi desabilitada. Ou seja, não podia mais refinar a busca naquela conversa. Tipo assim: não sei, não insista.
Achei que ter sido “fantasmado” por um terapeuta era meu maior feito. Mas, agora, até a IA quer bater a porta na minha cara.
Conclusão do experimento: se um dia eu quiser voltar a fazer música, tentarei a sorte no metrô, já que na Internet a coisa está meio estranha.
Então é isso por hoje. Dá para considerar o texto sobre Rick Rubin como curadoria, né? Nos vemos na próxima. Obrigado a todos, em especial os apoiadores!
Abraço,
Eduf