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O deus entretenimento
Fragmentação: como a indústria do entretenimento pode mudar radicalmente.
O músico, produtor e youtuber, Rick Beato, publicou um desses vídeos de “previsão” irresistíveis. Parte do fato de que a IA já consegue produzir música de qualidade e até falsificar o trabalho de músicos.
Beato acha que a indústria da música vai se fragmentar ainda mais:
Por que as gravadoras pagariam artistas para criar músicas, se podem fabricá-las digitalmente?
Por que o Spotify dividiria lucro com gravadoras? Cada plataforma criaria seu próprio conteúdo, com os recursos (humanos e digitais) que tiver à mão.
Por que as pessoas prefeririam ouvir Beatles orgânico se existissem versões IA decentemente compatíveis?
Acrescento: talvez seja possível criar versões customizadas dos seus artistas favoritos. “Quero mais músicas parecidas com o começo de carreira dos Beatles. Mas cantadas em português”. “Quero meus Beatles com Jimmy Hendrix na guitarra”. E por aí vai.
É claro que sempre haverá algum espaço para quem prefere artistas vintage ou ter a experiência de um show ao vivo. Mas a estrutura para manter esse tipo de atividade tente a ser mais cara.
Além do que, cada vez mais, consumimos o artista e não a obra. Queremos nos relacionar diretamente com a pessoa, ver suas fotos, ouvir suas histórias, queremos atenção. O que também pode ser reproduzido pela IA, claro. Mas, imagino, com menor autenticidade.
De qualquer forma, o mercado parece apontar para uma divisão básica: quem prioriza strorytelling, segue com os artistas vintage. Quem prefere música casualmente, tende a migrar para IA (ou nem se preocupar em quem produziu o conteúdo).
Cultura pós-humana
À medida que IA se popularizar, haverá uma explosão ainda maior de produção de conteúdo. Humanos não darão conta disso. As próprias máquinas precisarão intervir. Seja fazendo curadoria (algoritmos) ou consumindo o material por si mesmas (SEO, resumos do ChatGPT, etc.).
Resta saber se o entretenimento perderá parte do seu valor comercial. Se a produção e o consumo se tornarão tão fragmentados e abundantes que seria impossível extrair lucro massivo disso. Um pouco como aconteceu com a Netflix: com o aumento de serviços concorrentes e dispersão de assinantes, os investidores exigiram cortes de custos e menor diversidade no catálogo.
Porém, é bom lembrar que a História mostra que alguma forma de mainstream sempre sobrevive. O paradigma do consumo de massas ainda está longe de ser superado. Surgem novos monopólios, que incorporam os produtores menores.
É um ciclo contínuo: monopólios crescem, inflam, ficam insustentáveis economicamente, geram fragmentação e concorrência. Surgem novos undergrounds, que são incorporados novamente. Repete-se o ciclo.
Assim, talvez surjam mercados de nicho, como na moda: se você prefere comprar uma camiseta barata, de qualidade questionável, feita num país que ignora trabalho escravo, haverá uma grande rede, estilo Wallmart, para vendê-la. Se você quer um produto premium, atrelado a uma ideologia, pagará mais caro.
O que também leva ao surgimento de alguma espécie de falsificação ideológica, humanwashing.
Entretenimento hipnótico
Confesso que uma tendência me espanta ainda mais do que a IA: o entretenimento hipnótico.
Os vídeos sludge (basicamente, mãos interagindo continuamente com melecas).
Gravações de movimentos repetitivos em cenários de videogames.
Podcasts com ruído branco, sem vozes.
Vídeos como os de Sbmowing, que apenas mostram uma pessoa limpando o jardim.
Ou seja: concorrendo com a IA, há um tipo de entretenimento que lida (ainda mais diretamente) com gatilhos de compulsão: a pessoa pode passar horas olhando para vídeos como esses.
Note que, aqui, nem é necessário entrar no terreno pantanoso e controverso da arte. É pura mídia. Movimento e narrativa, na sua célula mais fundamental: coisas acontecendo sequencialmente. Qualquer coisa.
Acho que dá para termos uma ideia do tamanho do quebra-cabeça que a indústria do entretenimento terá que montar. Como controlar o onipresente, todo-poderoso e expansivo entretenimento?
Talvez esse seja o mais próximo que conseguimos chegar de fabricar um novo deus.