O Agente Secreto: a vanguarda da vigilância
Filme mostra como o Brasil aprendeu a lidar com a cultura da vigilância.
Veja como funciona o vício. Depois de 10 horas de viagem, desço no Brasil. E qual é a primeira coisa que faço? Visito a mãe? Ligo pros amigos? Nahh, pego o metrô e vou ver O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho.
Tem uma review interessante aqui, se você se interessa pelos contextos e polêmicas em torno do filme. Neste texto, eu queria compartilhar uma sensação que ele me provocou: a de que o Brasil é, realmente, um país de vanguarda.
Vanguarda? É.
Vanguarda em lidar com a paranoia cotidiana.
Sabe aquele sentimento de precisar ficar atento, de desconfiar das pessoas, dos mocinhos, dos bandidos, da burocracia, dos religiosos, do sobrenatural e das tecnologias? Então.
Como é ser sociabilizado num ambiente desses? Como é crescer sabendo que a casa pode cair a qualquer momento?
Por um lado, desenvolvemos uma mentalidade de sobrevivência, gambiarramos e improvisamos o tempo todo. Usamos qualquer coisa. Até mesmo histórias populares como a da Perna Cabeluda, do Boto, ou seja lá o quê, pra praticar de preconceito a infidelidade.
Assim, brasileiro é o hacker primordial. O manipulador de narrativas por excelência.
O filme de Kleber Mendonça Filho mostra como isso funciona. Todos os personagens têm vidas paralelas, secretas, mas nem tanto. E esse é o ponto mais interessante.
Outros países têm a CIA, Estado Profundo, KGB e agentes secretos como James Bond ou Ethan Hunt (Missão Impossível). No Brasil, o segredo é tosco e ornamental. A polícia esconde a violência, pero no mucho. Dissimula de um jeito espalhafatoso, que funciona quase como um marketing sombrio, gore. Todo mundo sabe com quem não mexer.
A vigilância no Brasil é estrutural e internalizada, permeando todos os aspectos da sociedade. Mas também sabe relaxar: dançamos na rua com aquele que nos rouba no cartório. Afinal, nos acostumamos com a paranoia e acabamos aprendendo a sobrevivê-la, tirando um tanto do seu peso existencial.
Minha impressão é que a paranoia dos EUA, por exemplo, é diferente: as empresas precisam seduzir os consumidores, infantilizar as pessoas pra que elas lhes deleguem a liberdade. ”Vem cá, criança, esse aplicativo vai viver pra você, assim você pode descansar”.
No Brasil, a vigilância é pressuposta. Tão comum que fica impressa no corpo. Nos protegemos automaticamente. Produzimos cultura e sociabilidade de quem está sempre a um fio de arranjar confusão.
Por isso, nossas reclamações mais comuns contra os europeus é que eles são folgados, invadem nosso espaço e são diretos demais. De certa forma, eles esperam (ou confiam) que a pessoa invadida irá se defender e estabelecer limites. Mas, no Brasil, aprendemos a nem arriscar.
Como O Agente Secreto mostra, somos uma cultura imersa (e forjada) em vigilância e dissimulação. E, com os avanços tecnológicos recentes, o resto do mundo está caminhando pra mesma situação.
Esse é o nosso desafio atual, quando tentamos praticar compaixão, quando aprendemos a nos abrir pros outros e pras circunstâncias. Como sobreviver e festejar, sem viver com medo da próxima perna cabeluda?

