Câncer de Trópico 5: comunicação estranha
Série contando os últimos 22 dias do meu pai num hospital público de São Paulo.
Provavelmente, encontrar irmãos é a experiência mais próxima que podemos ter do que seria espiar universos paralelos. Especialmente quando há pouca diferença de idade. O mesmo DNA, resultados tão diferentes. Ali estava meu anti doppelgänger: musculoso, cabelo curtíssimo, dirigindo um carro (coisa que nem sei fazer), desinibido e ouvindo house music.
“Progressive house”, ele me corrige. Finjo saber a diferença. Então, o Irmão começa um monólogo de uns 30 minutos sobre o assunto. Consigo captar a energia por trás da fala: ele é DJ e cumpre a missão de preservar a autenticidade da experiência da música eletrônica. Na verdade, o Irmão é um pioneiro dessa área no Brasil.
Na adolescência, dividíamos quarto. Lembro-me de que, frequentemente, ele desaparecia por dias. Diz a lenda que ele ressurgia num local chamado Extravaganza (ou algo assim). Parece que era uma boate, em São Paulo. O Irmão voltava pra casa em estado de euforia, falando sobre um DJ chamado Marquinhos Marky Mark (ou algo assim). Eu fingia me interessar e logo voltava pra algum livro de Erich Fromm, encontrado num sebo. Enfim, no carro, estávamos apenas mantendo uma tradição de comunicação da família.


