Mil personagens numa mesma cabeça
Feliz Dia Internacional da Felicidade. É. Isso existe.
Parece que o dia 20 de março é o Dia Internacional da Felicidade. Tem essa, agora. Quem decidiu? A ONU.
Parece que o objetivo das Nações Unidas é chamar atenção pra necessidade de cuidar da saúde mental e do bem-estar, não só individualmente, mas, principalmente, politicamente.
Infelizmente, a data não é feriado. Se fosse, já faria muita gente feliz. Mas, se serve de consolo, o instituto Gallup, junto com outros parceiros, publica uma pesquisa anual mostrando como os conceitos de felicidade e infelicidade vão mudando.
Só me liguei nesse assunto porque ele sequestrou todos os podcasts da agência Pushkin, que ouço ocasionalmente. Um deles aponta que a “conversa mental” é uma das maiores causas da infelicidade.
Conversa mental se refere ao constante falatório que acontece nas nossas mentes. É um fluxo (aparentemente) contínuo de cobranças, teses, autocomiseração, teorias da conspiração, que impomos a nós mesmos. Mas que parece surgir automaticamente.
O mestre budista, Chogyam Trungpa, usava termos bem curiosos pra se referir a esse fenômeno. “Burocracia do ego”, “Conversas vindas da cede” (central headquarters), entre outras. É que, ainda que haja muitas vozes, existe uma espécie de discurso central, um hábito central, apavorado, que tenta organizar tudo e criar uma narrativa coerente. Chamam isso de ego.
Quando jovem, eu gostava de separar essas falas e perceber o quanto elas eram absurdas. Eu chegava até a identificar alguns personagens mentais:
- O Onisciente – Quando eu me pegava ingenuamente acreditando que conseguia ler a mente dos outros. Por exemplo, alguém me criticava e eu rapidamente pensava que sabia todas as suas intenções malévolas, nos mínimos detalhes.
- Nostradamus – Quando achava que conseguia prever o futuro, que meu raciocínio tinha o poder de cobrir todos os cenários possíveis de cada situação.
- Januário – Refere-se a Januário de Oliveira, que narrava futebol na TV. Ele tinha bordões folclóricos como “Tá lá um corpo estendido no chão”, “Cruel, muito cruel!”. Narradores têm o costume de ir aumentando a tensão na voz, até que acontece alguma coisa na partida. Depois do clímax, comentam o ocorrido por minutos a fio, reciclando as mesmas observações.
É claro, também existia o Freud, que explicava qualquer coisa. O Henry Kissinger, cheio das maquinações políticas. O Bob Dylan, por causa dessa música, que exemplifica bem como funciona o processo de tagarelice da mente. O autocrata Juiz Dredd, etc., etc.
Depois que comecei a meditar, parei com essa palhaçada de dar nomes aos bois. Aos poucos, fui enxergando como isso fazia parte de um hábito de criar mitos sobre mim, de querer passar por esperto.
Esse hábito sobrevive, como este texto mesmo testemunha. Mas, enfim, tenho que escrever sobre alguma coisa.
Agora, imagine se os implantes de chips no cérebro forem liberados. Será que vão conseguir apaziguar as múltiplas vozes nas mentes? Ou apenas vão querer atrelar um anúncio a cada uma delas?
Não sei. Não sei. De qualquer forma, feliz Dia Internacional da Felicidade. Seja lá o que isso signifique pra você.