Como se diz em Minas Gerais, a autoconfiança de Bob Dylan é um trem impressionante. Segundo seu biógrafo, Ron Rosenbaum, é uma espécie de superpoder: em tese, Dylan nunca se sente envergonhado.
Sei.
Como exemplo, Rosenbaum conta como o cantor ignorou a indicação ao Prêmio Nobel. E, durante toda sua carreira, manteve uma postura do contra: se alguém lhe mandasse abandonar os amplificadores, ele aumentaria o volume.
Claro que não é só isso, ou toda criança com Transtorno Opositor Desafiador seria considerada genial. E o contrarianismo também é uma gigantesca fragilidade. No estilo da psicologia negativa: se você quiser ainda mais amplificadores, é só dizer “desliga aê”.
Ignorar coisas consideradas desejáveis está na essência da atitude blasé. E esse é um dos piores empregos que uma pessoa pode arranjar pra si – uma ocupação infinita, que consome todo seu tempo e energia.
Ainda assim, certa teimosia (e alguma recusa em se deixar manipular por feedbacks e demandas externas) parece ser algo extremamente necessário, em especial pra criação artística. O problema é que, paradoxalmente, a sensibilidade também é um superpoder.
Com a meditação e alguns tipos de treinamento da mente, você aprende a se abrir mais e mais, até chegar a ouvir lições de, basicamente, tudo. Feedbacks se tornam tão preciosos quanto onipresentes. E você só não fica maluco porque, em tese, vai relaxando da necessidade de se defender constantemente e de provar seu ponto.
Mais: você se dá conta de que não existe uma demanda externa, strictu sensu. É sempre você, filtrando tudo, interpretando a vida. Assim, no palco, Dylan estava brigando consigo mesmo. E, afinal, como ele se sentia no calor do momento? No cotidiano, qual preço ele paga pela sua suposta ausência de vergonha?
Não estou desmerecendo Dylan. Longe disso. Mas é importante perceber por que penduramos esse tipo de rótulo de gênio nele. Não é só por sua obra. Ela é produzida e traduzida pela sociedade Moderna, que valoriza o empreendedor, o individualista, o disruptor.
E por que estou dizendo isso? Porque, se queremos evitar cair nas manipulações do Capitalismo (e até nas armadilhas da ansiedade estrutural), precisamos nos desencantar com as narrativas que lhe servem de base. Nossos ídolos são vítimas.
Como se diz por aí, estamos todos no mesmo barco. Ou trem, se você preferir.
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Brechó compulsivo
Quando comecei a fazer viagens internacionais, tive uma bizarra fase de comprar roupas usadas. De repente, tive acesso ao “lixo” dos países ricos: material de primeira, bem conservado, peças únicas, que sequer encontraria no Brasil. Preços excelentes, sem jogar mais lixo no planeta.
Nem é que eu tenha comprado muita coisa, mas já estou satisfeito, obrigado. Fato é que, mesmo o thrifting (fuçar em brechós) virou uma megaindústria, funcionando com as mesmas regras de consumismo e manipulação do fast fashion. Assim, é preciso dobrar o cuidado com técnicas de indução à compulsão, FOMO, etc.
O superpoder de Bob Dylan
Biógrafo acha que a principal força do cantor norte-americano vinha da sua capacidade de não se envergonhar.
