O entretenimento da sobrevivência
Como as crises climáticas contínuas podem nos ajudar a repensar a tecnologia.
Inundações em Nova Iorque. Foto: Wikipedia.
Qual é a maior notícia sobre tecnologia da semana passada? O lançamento do iPhone 15? Nah. As chuvas em Nova Iorque.
É provável que você já tenha visto imagens do dilúvio. Em apenas um dia, uma das maiores e mais tecnológicas cidades do mundo se viu forçada a resgatar seus instintos primitivos. Seus habitantes tiveram que juntar lixo nas ruas, enfrentar correntezas, empurrar carros, etc. Foi o anti-dia-de-princesa, por assim dizer.
Em situações como essas, as tecnologias contemporâneas deixam de ser conveniência para virar obstáculo. A fragilidade dos gadgets e dos sistemas “automatizados” fica evidente. Ao mesmo tempo, percebemos que ainda somos bons de improviso, em nos ajudar mutuamente, em sambar na lama de sapato branco.
Mas isso eu já disse num texto sobre as chuvas do festival Burning Man. O que eu queria dizer aqui é o seguinte: 2023 está mudando nossa visão sobre tecnologia.
Até agora, a ênfase estava na comunicação e no entretenimento. IA, redes sociais, fake news, o último super aplicativo. Mas, hoje, a prioridade vai para a engenharia.
Como fazer nossos sistemas sobreviverem em meio à adversidade? Quais são os aparelhos e procedimentos que podem nos ajudar no meio dos perrengues? Ou, pelo menos, não nos atrapalhar durante crises?
É uma imensa oportunidade para uma mudança radical na área de experiência de usuário e de desenho de interfaces. Como criar aplicativos que sejam claros, diretos e “inteligentes” para serem usados em momentos de ansiedade, alta carga cognitiva e instabilidade de recursos?
O mundo dos constantes desafios climáticos também pode trazer consequências para a imprensa que cobre tecnologia. Em vez de buscar informações sobre as firulas da Big Tech, ou a última câmera do iPhone, quero ver reviews de botas impermeáveis. Menos Microsoft e mais Makita.
Passamos as últimas décadas nos viciando na indústria do entretenimento, certo? Então, que tal mudar o foco? Em vez de pensar sobre como sobreviver ao entretenimento, poderíamos migrar para pensar sobre o entretenimento de sobreviver.
Não é uma perspectiva muito profunda ou justa. Mas, considerando o atual cenário cognitivo e econômico, talvez fosse uma boa estratégia de redução de danos. Metadona para se livrar da heroína. Fazer o quê?