Nunca comprei um iPhone

Pequenas conversas que mostram grandes diferenças entre países

Acompanhei a conversa entre Vanessa Guedes e Lalai Person sobre ser um brasileiro vivendo em outro país. Como também moro há uns quatro meses na Califórnia, resolvi palpitar sobre o assunto. Tudo começa numa história sobre meu sobrevivente, obstinado, impávido, colosso iPhone 8.

Uma conhecida minha daqui, cerca de 60 anos, me perguntava como gravo meus vlogs. Respondi: com meu iPhone de botão. Com a maior inocência do planeta, ela continuou: “Interessante! Por quê? Tem algo específico nessa versão de que você gosta?”

Aparentemente, nem sequer lhe passou pela cabeça o real motivo de manter o aparelho: não tenho dinheiro pra comprar outro. (Aliás, estou aceitando doações, se você quiser se livrar do seu iPhone mais novo que o meu). Minha interlocutora deve ter achado que eu era algum tipo de colecionador, arqueólogo, ou um apreciador de tecnologias vintage.

Imagine a cara de espanto da mulher quando lhe contei que NUNCA comprei um smartphone. Na minha vida inteira. Quer dizer, paguei, do meu bolso, apenas por um Nokia N95, quando os dinossauros andavam entre nós. De resto, sempre herdei celulares alheios (ou, pra soar mais chique, fiz retrofit neles).

O iPhone 8, por exemplo, veio do espólio do pai de um amigo. O falecido não deixou as senhas no testamento. Pior: usava o Find My Phone, que complica a transferência de donos. O celular era um tijolo de luxo até chegar às minhas mãos.

Após semanas tentando, sem sucesso, convencer a Apple a desbloquear o aparelho (mostrei até o atestado de óbito), resolvi me virar. Como diria o velho AC/DC, olhei pro céu e… Jailbreak. Tudo em nome da liberdade.

A interlocutora me achou um rapaz bizarrinho e divertido. E me contentei em entretê-la por alguns minutos.

Fato é que essa rápida interação, tão trivial, mostra a distância de uns três universos e duas palafitas entre as cognições deste brasileiro e daquela norte-americana. Porque, se pra ela era espantoso eu ter um iPhone velho, pra mim era ainda mais estranho ela perguntar o motivo.

Um século inteiro de imperialismo cultural e econômico, pintado numa só pincelada. Tipo Jackson Pollock: respingos pra todos os lados, camadas e camadas de tinta.

A interlocutora, na sua inocência. Eu, no meu sarcasmo. Não havia hostilidade e nem maldade em ambos os lados. Porém, havia hábitos. Tatuagens espirituais que recebemos desde criança dessa coisa concreta / abstrata e arbitrária chamada país.


Caçando tesouros na Califórnia

Dos brechós de Cazadero até o Museu de Arte Asiática, de San Francisco, como damos valor aos objetos antigos.


A cultura do carro

Vídeo satírico (divertido, mas um pouco longo demais) sobre o apego aos carros. O cenário aqui é o Canadá. Poderia ser o Brasil. A diferença é que ainda haveria mais risco de assalto.


Música

Música nova do Knower, duo norte-americano de música eletrônica um tanto jazzistica. O vídeo é bem engraçado.

Não sei porque essa música do Sly & The Family Stone me veio à cabeça. De qualquer forma, passo o earworm pra você.


Cultura e Tech

  • Metamodernismo no cinema. Quando os filmes citam a história do cinema, mas não necessariamente pra criticar. Não é mais ou menos assim que funciona em todas as artes?
  • ChatGPT já está obsoleto. Artigo no The Atlantic sobre Inteligência Artificial Multimodal, seja lá o que isso signifique de verdade.
  • O escritor Douglas Rushkoff (um dos pioneiros do ativismo na Internet) está pulando fora da revolução digital, segundo a Wired.

É isso por hoje. Obrigado por ler. Obrigado a todos os apoiadores.

Desculpem-me pelo atraso nessas duas semanas. A vida anda puxada por aqui.

Até a próxima,
Eduf