O meu adeus ao Akira Toriyama
Homenagem ao quadrinista japonês que era mestre em criar personagens anárquicos e inclusivos.
Nesta semana, uma boa parte da Internet lamentou a morte de Akira Toriyama. Imagino que você conheça. Pelo menos pelo seu trabalho mais famoso no Brasil, o Dragon Ball. Como eu poderia deixar de prestar homenagem?
Toriyama fez parte da passagem da minha adolescência pra jovem adulto. De diversas formas. Trabalhei na Editora Conrad, em seu auge, quando lançou vários mangás de Toriyama no Brasil. Ajudei a divulgar muitos deles.
Antes disso, eu e meu irmão nos encontrávamos diariamente pra ler, assistir e comentar a longa jornada de Goku e sua família. Nada nos unia tanto. E olha que dividíamos um quarto.
Nas fases mais violentas da série, trancávamos a porta pra evitar que a irmã pequena entrasse. Na nossa cabeça, DBZ era coisa pra meninos. Com ela, assistíamos aos Cavaleiros do Zodíaco. Quer dizer, meu irmão via. Eu achava o anime chato, só estava lá pela companhia.
Mas, pra variar, eu queria dizer outra coisa.
O protagonista de Dragon Ball, Goku, tinha pelo menos uma virtude que invejo até hoje: a capacidade de não desistir das pessoas.
Ao longo das histórias, ele vai incorporando os sujeitos mais mal-humorados, estranhos, malucos e perigosos na família. Não era só uma questão de se juntar pra destruir o inimigo mais forte. Os laços iam se formando e as relações se estreitando.
Toriyama tinha essa generosidade de investigar os diversos lados de seus vilões. É como se perguntasse constantemente: “onde está a bondade dessa pessoa? Onde a agressividade se dissolve? Onde vira comédia e fragilidade?”
A partir daí, os personagens constroem possibilidades de conviver com a diferença. Especialmente pelo humor.
Leveza, abertura mental, generosidade e surrealismo perpassam toda a obra de Toriyama. É triste imaginar que alguns espectadores só se lembrem da violência ou dos problemas comportamentais do Mestre Kame.
Nos mangás de Toriyama, os sujeitos mais assustadores poderiam ser os mais ridículos. As amizades surgiam da competitividade – e nem precisavam abdicar dela. É uma visão complexa e multifacetada. Sem preconceitos.
Como eu gostaria de ser assim. “Desisto” das pessoas com muito mais facilidade. Meu hábito é declarar que “não sei como lidar”, ou procrastinar convivências. Goku e família não eram preguiçosos assim. Acomodavam todo mundo, cada um do seu jeito. Até mesmo os mais falcatruas.
Essa é a maior lembrança que trago da obra de Toriyama: uma mente aberta e alegre.
E olha que eu poderia escrever muito mais sobre as tecnologias que ele apresenta nos seus mangás.
Academias de treino com gravidade aumentada (alô, body builders), carros que se convertem em capsulas (imagine o impacto que isso teria numa sociedade como a nossa), comunicadores, wereables rastreadores de KI (energia corporal), androides, inteligência artificial, etc., etc. Isso pra ficar só no Dragon Ball.
Feliz ou infelizmente, Toriyama não me converteu em otaku. Meus interesses no Japão foram e são outros. Mas posso dizer que, dentro do possível, ele me ajudou a ser uma pessoa melhor.
Que um dia eu possa ser leve, anárquico e inclusivo como alguns dos seus personagens.
E tomara que o Toriyama reapareça logo, com uma auréola, numa estrada qualquer.