Está cansado? Que tipo de cansado?
Tem fadiga mental pra todos os gostos.
Quem é que não está mentalmente cansado hoje em dia? Cientistas franceses acharam o motivo. É um neurotransmissor chamado glutamato. Deu na The Economist. Ele se acumula no cérebro, causando a sensação de fadiga.
Solução? Ora, dormir. Por enquanto, é isso mesmo. Daqui a pouco, alguém inventará outro bloqueador de fadiga mental. E ficaremos mais ou menos dependentes, como de tantos outros remédios e substâncias.
Mas por que toquei nesse assunto, que conheço tão pouco? Quer dizer, neurociência, não cansaço mental. Nesse, sou PhD. Ao longo da minha vida, meus estilos de vida paralelos (escritor e meditador) me colocaram numa posição privilegiada pra enfrentar períodos de fadigas mentais.
Uso o plural porque nem todas são iguais. Vamos dividir a fadiga em duas categorias:
Fadigas de dispersão
A mais fácil de perceber é a fadiga decorrente da ausência de foco. Surge do multitasking, da procrastinação, do scroll infinito, de pular de uma “diversão” pra outra. Após horas de indulgência nesse estilo de vida, a pessoa se sente completamente exausta. E, ainda assim, pode repetir comportamentos compulsivos por horas. Até apagar num sofá.
Outra fadiga mental conhecida é a que deriva da antecipação, da ansiedade. Sofrer por antecedência. Prática tão velha, que foi criticada na Ásia por diversas tradições “religiosas” e pelos Estoicos, na cultura europeia. O esgotamento mental vem da prática de pensar obsessivamente sobre uma situação hipotética, tentando prever cenários, calcular resultados e encontrar explicações.
E também há a fadiga pela quantidade de informação a ser processada. Agenda lotada, muita gente falando ao mesmo tempo, demandas que se acumulam. Excesso de estímulo. A parte que causa mais cansaço é a sensação de descontrole, de desorganização e de perigo iminente.
Fadigas de concentração
De modo geral, temos medo de tarefas mentais que exigem concentração. Antes de nos engajamos nelas, podemos cair no limbo das fadigas de dispersão. Mas, uma vez que você começa, o foco acaba produzindo energia e entusiasmo. Mesmo que você não entre no famigerado estado de fluxo.
A ideia de que você está “realizando algo” traz uma sensação psicológica de poder. Isso ajuda a combater o cansaço. É um pouco como fazer exercício físico: ao final de uma sequência, bate uma fadiga prazerosa, até.
É claro: estou falando aqui do ponto de vista de um neurotípico. Pessoas com outras características mentais sentirão outros cansaços.
Tudo isso pra dizer que é difícil medir fadiga mental. Essa tendência de explicar tudo via neuroquímica pode render umas anedotas na Economist e gerar conteúdo por aí. Mas experimentar cansaço é outra coisa.
Não estou defendendo, nem atacando. Não quero promover aqui a filosofia do “vou descansar quando morrer”. Nem a do “vou morrer de tanto descansar”. Minha pergunta é: e se encontrarmos uma “molécula” da fadiga mental? Vamos ignorar todo o contexto social e psicológico do fenômeno?
Nem sempre há como evitar fadiga mental. Maternidade e paternidade, por exemplo. Emergências de saúde. Trabalhos acumulados. Retiros. Nessas circunstâncias, fica evidente qual são os maiores energizadores e bloqueadores de cansaço humano: narrativas.
Não há glutamato que derrube motivação ou engajamento em ideias. Até certo ponto, é possível suportar graus elevados de burn out. David Blaine que o diga.
Obviamente, não queremos mais um bloqueador de cansaço que danifique a saúde. Ou que ignore questões culturais fundamentais. Já temos diversos deles por aí. Incluindo computadores. Incluindo entretenimento.