Diferentes jeitos de pensar sobre impermanência

Pensar sobre mudanças deveria ser tão natural quanto respirar.

Diferentes jeitos de pensar sobre impermanência
Imagem criada a partir de uma foto de Wolfgang Hasselmann pro Unsplash.

Como muita gente, também estou acompanhando com tristeza o que está acontecendo no Sul do Brasil. Mas não quero falar sobre isso. Não quero adicionar mais distúrbio no feed dos meus leitores.

Seria fácil dizer coisas como “estou falando sobre crise climática há décadas”, “sou budista, sou esperto, tome aí mais um exemplo de impermanência”. Felizmente, ainda não cheguei a esse ponto de insensibilidade.

Mas é claro que catástrofes como essa me instigam a pensar mais sobre impermanência.

Não só a parte “ruim” dela, a das certezas entrando em colapso. Há também uma parte “boa”: por pior que seja a situação, ela vai passar. Mutações vão acontecer, adaptações vão surgir.

É claro que não tenho uma compreensão real da impermanência. Uma coisa é lembrar que as coisas, as emoções e as ideias mudam o tempo todo, outra é se acostumar com essa lógica, viver nessa lembrança habitualmente, automaticamente, sem nem mesmo pensar nisso como um problema ou uma solução.

Impermanência é como a gravidade. Pode ser obstáculo, pode ser ferramenta, pode ser os dois ao mesmo tempo. É preciso (automaticamente) considerá-la em tudo o que fazemos.

Mas há inúmeras formas de incluí-la no nosso fluxo mental.

Por exemplo, há o jeito tech bro, aceleracionista, altruísmo efetivo de pensar em mudanças constantes. Ou seja: vamos planejar, enviar nossas consciências pra Internet, fugir pra Marte, construir mais devices, plantas nucleares, bunkers, desenvolver novos modelos de IA.

Há o jeito prepper: vamos comprar botas táticas, afiar as facas, estocar alimentos, eletrificar as cercas, votar em ditadores machões carismáticos, etc.

Há o jeito cíclico: vamos entender os tempos do planeta, das emoções e os sinais de mudanças espalhados sutilmente a todo momento. Vamos desenvolver simplicidade e flexibilidade. Afinal, quanto mais complexidade, mais nós interdependentes, passíveis de falha e mudança.

Imagine um gráfico. É como se fosse uma linha. De um lado, práticas que levam a acumular mais tentativas de domar a impermanência. De outro, a busca da simplicidade, acompanhada de um fortalecimento psicológico e social pra lidar com o constante caos.

O navegador Amyr Klink costuma contar que, no começo, tentava preparar seus barcos pra evitar virar. Dava com os burros n’água. Aos poucos, adotou a saída contrária, que se provou mais sustentável: facilitar os giros e a recuperação posterior da estabilidade.

Fato é que, no cotidiano, acabamos usando o que temos à mão, rigidez e flexibilidade. E, numa sociedade de mercado, obviamente a tendência é acumular mais, sobrepor técnicas sobre técnicas, construir aparelhos, desenvolver profissões pra consertá-los e torná-los obsoletos.

A impermanência destrói qualquer pensamento radical. Não dá pra ser apenas hippie, pensamento cíclico, assim como também não é possível planejar tudo – por mais tecnologia e dinheiro tenhamos disponível.

Viver na impermanência é viver na ambiguidade. Porque você precisa tanto priorizar e eliminar o que é desnecessário, quanto relaxar e abrir espaço pra surpresas. Tanto amar intensamente quanto manter a distância.

Não há um só pensamento que se mantenha em pé diante da impermanência – nem mesmo o conceito de impermanência.

Quando olhamos situações como a das enchentes no RS, parece até irresponsável pensar que elas vão passar. Soa até criminoso aceitar que não há uma forma de se preparar totalmente e evitar novos problemas. Parece cínico imaginar que muito do que pensamos ser soluções podem criar novas tragédias.

Ainda assim, vamos continuar tentando. E tentando. E resistindo. E falhando. E acertando.


Um dos jeitos de ajudar à distância, é fazendo doações pra quem está em campo. Mas é difícil saber em quem confiar. Minha doação foi pro pix do Lions Club de Três Coroas, cidade em que morei por mais de 15 anos. A Vanessa Guedes fez uma lista de outras entidades precisando de ajuda.