Semana passada, pipocou um debate interessante na Internet. Siga a lógica:

  • Boa parte dos CEOs das empresas de tecnologia se dizem influenciados por filmes de sci-fi pop.
  • Só que ignoram os aspectos distópicos desse gênero – a parte dos alertas pro que pode dar errado.
  • Os tech bros selecionam apenas a parte fantástica e tentam reproduzi-la imediatamente no “mundo real”, sem senso crítico.
  • Portanto, os tech bros seriam ruins de interpretação de arte.

Não sei.

Há muitas maneiras de responder essa questão. Os tech bros estão sujeitos a muitos incentivos e pressões. Dinheiro, política, drogas, pressão dos investidores, dos competidores, etc. Fora que as rotinas das profissões ligadas à tecnologia tendem a isolar as pessoas do resto do mundo.

Não é só uma questão de não saber interpretar arte. Até porque, muitas vezes, alguns filmes sci-fi não ajudam mesmo.

Como em Her, de Spike Jonze, que inspirou o ChatGP-4o. Ele não é, exatamente, um filme sobre consequências da tecnologia. É sobre solidão e expectativas masculinas. Sequer investiga o lado perigoso de ter um assistente virtual com posse e controle de todas as suas informações.

Na verdade, Her é um filme bastante otimista, ainda que empacotado de um jeito agridoce. Bate na trave em quase todas as questões que aborda. Em todos os momentos em que a situação começa a se complicar, Spike Jonze muda de assunto.

Mas o que eu quero dizer é o seguinte. Os tech bros vivem numa situação que conhecemos muito bem: a rotina da obsessão pelo trabalho.

Consequentemente, estão sujeitos a toda a loucura que envolve isso. A identidade de inovador, o senso de estar “mudando o mundo”, a aceleração de entregar novos projetos e o desespero por resolver problemas constantes. Enfim, as pressões e obtusidades do excesso de concentração num só aspecto da vida, o profissional.

Precisa de um conteúdo pra entender esse fenômeno? É fácil: a série Silicon Valley. Não conheço um retrato melhor da bolha discursiva, comportamental e ideológica em que muitos jovens estão inseridos hoje. Não só nos EUA.

Claro que a obsessão pelo trabalho e o trabalho obsessivo não são as únicas explicações pra mentalidade de alguns CEOs e funcionários de empresas de tecnologia. Há múltiplos fatores em jogo. Mas esses são dois aspectos com os quais podemos nos identificar.

Talvez, a diversidade seja a maior protetora do hommo sapiens-demens (pra usar um termo de Edgar Morin). Uma pessoa precisa ser exposta frequentemente a muitas facetas da vida. Uma ajuda a contrabalançar a outra. Diminui o senso de autoimportância, de missionarismo, de radicalismo racionalista. Aumenta a compreensão da interdependência e da impermanência das nossas obsessões e narrativas.

Pode parecer absurdo e ingênuo, mas acho que o que falta pra muitos tech bros é meter a mão na terra. Fazer trabalho voluntário, no qual não sejam engenheiros, inovadores ou filantropos, mas paus mandados. Experimentar coisas fora do contexto do trabalho ou da pretensão de salvar o universo a golpes de empreendedorismo.

Na verdade, os tech bros interpretaram muito bem a cultura mainstream do século 20: a figura do herói, do machão que resolve tudo, que quebra todas as regras porque, no final, vai provar que está certo. Além, é claro, da mensagem de que é preciso se dedicar ao máximo, sem olhar pros lados, sem calcular consequências, sem pedir permissão.

Pior: sem parar pra descansar. Afinal, descanso é um perigo intolerável. Porque é no repouso que, naturalmente, o cérebro quica a bola de volta e pergunta: “espera aí, será que isso que estou fazendo está certo mesmo?”

Descanso, essa coisa subversiva

Porque os profissionais de tecnologia precisam relaxar de verdade.