Nesta semana, no podcast Team Human, o escritor Douglas Rushkoff conversou com o economista Luke Kemp, autor de Goliath's Curse. O assunto era como as civilizações morrem ou se transformam radicalmente.
Lá pelas tantas, Rushkoff diz o seguinte:
“(…) para mim, como um membro da Geração X, o que escolhemos otimizar (e falhamos, é claro), escolhemos otimizar para o que chamamos de slack [folga], certo? O que significava otimizar para o lazer.
Ele está citando o tipo de comportamento associado ao alguns jovens adultos (majoritariamente brancos e norte-americanos) dos anos 90. Seu retrato mais clássico é o filme Slackers, de Richard Linklater.
A obra trata de um estilo de vida um tanto “preguiçoso” – do ponto de vista do capitalismo. Os personagens não estavam dispostos a se engajar na corrida pela meritocracia, por dinheiro e não se importavam em viver de forma um tanto precária (má alimentação, morando ilegalmente em qualquer pocilga).
Rushkoff continua:
[Achávamos que] quanto mais civilizada uma sociedade, mais as pessoas poderiam ficar de boas. Para nós, isso significava fumar maconha, usar ácido, ir a raves, fazer sexo, fazer coisas legais, sair com seus filhos, jogar softbol. É como se essa fosse a Sociedade Feliz.
Não era ativismo. E nem era um estilo de vida exatamente avesso ao consumismo. Era mais contra o esforço, a disciplina e, claro, o intelectualismo. Esses elementos eram vistos como pretensiosos e chatos.
Esse é o nascimento da nossa atual ideia de “fricção”.
Os slackers queriam:
- “Ficar de boas”, usar o que está à mão, no supermercado, sem pensar muito.
- Escapar da ocupação da meritocracia, da busca pela aquisição.
- Evitar muitas complicações e responsabilidades.
Não eram como os hippies, que fugiam pro mato e iam enfrentar os desafios de uma vida desplugada das cidades. Os slackers queriam a vida capitalista até o ponto em que desse trabalho demais. Viver às margens, fazer piadas sarcásticas contra “o sistema”, “os valores”, os “normais”. Identificar-se como estranhos e céticos.
Bem-intencionados ou não, os (também) GenXers do Vale do Silício estavam de olho nessa estética. E, aos poucos, definiram níveis cada vez mais granulares de “fricção”. Depois, nos oferecerem suas soluções. Assim, fomos nos tornando cada vez mais sensíveis, impacientes e dependentes.
De volta a Rushkoff:
É por isso que olho para o final da Idade Média. (…) O que as pessoas estavam priorizando eram mais dias de folga. Elas estavam trabalhando dois ou três dias por semana. Estavam comendo muito. Estavam ficando mais altas.
Sei que era o final da Idade Média. (…) Não estou dizendo que devemos voltar pra ela e nem que ela perfeita. Mas que as pessoas – à medida que se desenvolviam econômica, social e materialmente – como pessoas, a grande maioria otimizava para o lazer e o prazer.
Apesar de alguns esforços da Geração X e dos slackers (e, suponho, de alguns Marxistas), talvez não estejamos otimizando para o lazer.
Rushkoff não considera o seguinte: nossa sociedade está completamente otimizada pro lazer. Por um lado, os slackers venceram.
O que o capitalismo conseguiu foi definir o que é lazer e industrializá-lo. A partir de então, começou o estresse pra “ficar de boas”. O completo vício pelo fluxo contínuo e industrial do entretenimento. E a busca por um mundo sem nenhuma fricção.
Os slackers acreditavam em prazer sem comprometimento, vida sem fricção, sem esforço. Acabaram criando as bases pra escravidão do entretenimento. Inconscientemente, foram os primeiros cozinheiros da IA slop.
E, claro, ofereceram o framework, o modelo de comunicação da agressividade humorística e do desbocamento dos futuros edgelords e da nova extrema-direita. A cultura pop forneceu o ambiente cognitivo perfeito pro extremismo pop.
Os GenXers nos convenceram de que não há diversão na disciplina. De que punk é menos pretensioso do que progressivo. De que controvérsia é divertida. De que fazer piadas regurgitando a cultura pop é algo engraçado (que é hilariante usar um aplicativo pseudo gratuito pra produzir uma imagem de Pikachu nazista). E que devemos fazer isso o tempo todo.
Tudo bem, só estou brincando, me deixa.
Assim, nossa sociedade se otimizou pra um tipo de prazer, o prazer industrial. Acabamos otimizados por ele. Nos tornamos máquinas de consumir, produzir e criticar entretenimento. Lambedores de slop em timelines.
Rushkoff acha que:
Basicamente, [deveríamos] levar as pessoas de volta ao prazer e lazer. Não à decadência, mas uma espécie de prazer e alegria social em vez da aquisição de coisas.
Antes, como diriam os psicanalistas, acho que deveríamos ”fazer o luto” de certa cultura pop das últimas décadas – o que ela era e não enxergávamos, no que ela se tornou, os fenômenos que ajudou a criar e que ajuda a sustentar, hoje em dia.
Eu começaria assistindo a esse documentário, sobre a revista Vice. E esse sobre Pepe The Frog, o meme.
Não estou propondo fugir pra alguma espécie de arte elitista, que seria pura e angélica. Nem pra meritocracia.
O que eu gostaria de desenvolver é uma fundamental da capacidade de dizer não. Inclusive ao prazer. De cortar o apego ao fluxo do entretenimento e ao desejo pela total ausência de fricção.
Se não queremos slop, precisamos deixar de ser filosoficamente sloppers.
De slackers a sloppers
Como transformamos o prazer em trabalho e servidão.