Se tem uma coisa que este século conseguiu democratizar foi a compulsão tecnológica. Compulsão tecnológica é uma espécie de comichão que nos impulsiona a lidar com computadores e mexer em interfaces.
Antes, só os geeks sabiam que existe um menu chamado “configurações” – e tinham o desejo de fuçar ali. Não era uma questão apenas técnica. Era uma diversão, uma necessidade existencial.
Se estivesse vivo, Nietzsche chamaria isso de Vontade de Configurar. Ou Vontade de Poder, nesse caso, exercido contra uma máquina, um designer, ou uma companhia que criou essa coisa assustadora e repressiva conhecida como default, padrão.
Mas eu queria chamar atenção pra uma fase ainda mais essencial dessa compulsão: quando a pessoa tem o desejo nu, peladíssimo, de usar o computador, mas sequer colocou as mãos nele.
O sujeito acorda de manhã, como se diz hoje em dia, atravessado pela ansiedade. Não detecta seu estado mental saltitante, borbulhante, sambante. Apenas sente que precisa “fazer alguma coisa numa interface”.
E (ainda) não se trata de cheirar uma carreira de algoritmo e ficar o resto do dia escrolando, babando, arrumando dívidas e brigas. É um desejo supostamente produtivo. Botar ordem na casa – ou, pelo menos, no celular e no computador.
Logo, a pessoa se pega baixando aplicativos, mudando fontes, configurando trackers de novos objetivos, comprando smart wactches, etc., etc.
Agora vai. É hoje que eu deixo esse aplicativo com a “minha cara”. Três horas depois, você está lá, barbeando Iaks.
Esses são só dois tipos de compulsões tecnológicas, o configurismo e o sistemismo. No fundo, podem ser somente jeitos socialmente configurados pra lidar com tédio ou ansiedade. Ou o tanto de criatividade suprimida que sobrou pra uma certa pessoa.
As compulsões tecnológicas (ainda) nos parecem baratas, calmantes, empoderadoras e seguras. Em especial porque, às vezes, uma boa configurada pode evitar um problema, cortar custos e ganhar tempo. No limite, pode até ser um ato político: nos libertar do julgo de corporações que se parecem mais com crime organizado. Enfim, como sempre, não dá pra generalizar.
Mas estou falando daquele desejo nu, que ainda está procurando uma jornada pra chamar de sua. Essa busca por uma ocupação e uma identidade, que cada vez mais tentamos encontrar nos computadores e interfaces.
É o amor, o prazer sensorial que somente os geeks precisavam dedicar aos ambientes digitais. Costumava ser um amor arriscado.
Hoje, é possível que o usuário médio tenha acesso a apenas simulações de configuração — menus com opções que mudam praticamente nada. Você pode trocar a cor do ícone, mas não ativar interoperabilidade, cortar anúncios, etc.
Pra muitos de nós, sobrou a Vontade de Configurar. O desejo tentar de gerenciar ansiedade via computadores. Não deve dar muito certo.
Compulsões tecnológicas
As configurações que mudam nada.