Como Assassino da Lua das Flores é o precursor de The Last of Us

Porque adoramos narrativas de transição entre civilizações.

Como Assassino da Lua das Flores é o precursor de The Last of Us
Killers of The Last of Us.

Depois de alguma procrastinação, assisti ao filme mais recente de Martin Scorsese, Assassino da Lua das Flores. Resultado previsível: gostei, só que não.

Claro, a direção de arte, as atuações e a reconstrução da Oklahoma dos anos 1920, são irretocáveis. A história de horror racista, o clima de denúncia e até os fan services (como chamar Jack White pra fazer uma ponta), são ímãs pra boas resenhas e ganho de prestígio.

Mas não tenho muita paciência pra narrativas como a desse filme: sabemos quem é o vilão, quais são as circunstâncias que incitam essas atitudes e vamos “saboreando” suas crueldades e a maneira engenhosa pela qual ele corrompe os outros (que já possuíam alguma vocação / ingenuidade / fragilidade pra cair no golpe). Até que o bandido é desmascarado, perde parte do seu poder, mas ainda dá um jeito de se virar.

A culpa não é do Scorcese. Talvez, como brasileiro, eu é que estou cansado de acompanhar histórias semelhantes no noticiário. Daí, o desejo de transcender: por favor, mostre-me algum conteúdo no qual os violentos e mentirosos não são os mais espertos.

Mas eu queria dizer outra coisa. É uma tese estranha e meio ridícula: Assassino da Lua das Flores é um filme pré-apocalíptico. Quase que uma prequela pra séries como The Last of Us e Station Eleven.

Como assim?

É que, de alguma forma, Scorcese mostra como nossa sociedade industrial se formou. Como ela destruiu culturas anteriores. Como seus discursos foram desvalorizados, como nos viciamos em certas substâncias e nos valores do entretenimento.

O petróleo que os nativos de Oklahoma descobrem é mais ou menos como os fungos que infectam a população de The Last of Us. Atacam seus corpos e cérebros, transformam suas culturas em vestígios de um passado cada vez mais incompreensível e sem sentido. Uma nova normalidade emerge, que parece inescapável.

Isso é o que eu chamaria de “narrativa de transição cultural”: como um mundo se transforma em outro, ressignifica o passado e projeta um futuro. Narrativa mutacional. Nunca é pacífica e completamente gradual.

Em Lua das Flores, mutação civilizacional foi causada pelo petróleo? Sim e não. Assim como o vírus de Station Eleven e os fungos de The Last of Us não são os verdadeiros protagonistas das suas histórias.

Claro, eles são agentes impulsionadores incontestáveis. Mas o que muda mesmo é a praxis, a prática, o dia-a-dia.

Ao longo dos anos, nossas escolhas cotidianas, culturais e políticas, é que formatam e definem nossas relações com fenômenos ditos “naturais”. A cada decisão, a cada concessão, a cada conivência, vamos construindo nossa jaula. Assim como fez o personagem de Leonardo DiCaprio, no filme de Scorcese.

De fora, parece uma jornada de decadência. Mas, de dentro, é só mais um dia. É tapar um buraco pra evitar que surja uma inundação.

Assim, Luas das Flores seria o primeiro episódio da série da Civilização Moderna. Estaríamos no segundo, a Era Digital. E as ficções pós-apocalípticas refletem o medo do que está na sequência. Nesse caso, se eu tivesse que escolher entre desgraças, ainda preferiria a visão do Station Eleven.

Mas, quem sabe? Talvez existam alguns futuros melhores, quando certas partes da “natureza” retomarem o protagonismo. Quem pode garantir que surjam só problemas?

Afinal, o que sabemos de história – essa aversão que temos do ambiente – em boa medida é fruto da doutrinação industrial. Essa, cuja implementação intuímos ao assistir à Lua das Flores.

Não sabemos o que está por vir. Tateamos em múltiplos terrenos de escuridão e luz. Assim como os ideólogos e beneficiários da Revolução Industrial também fizeram. E, a cada passo, um rastro.

E isso, Lua das Flores, The Last of Us e Station Eleven mostram bem: o futuro está nos detalhes. Ou seriam os demônios? Ou os fungos? Ou os zumbis? Ou os empreendedores?