Antes da nova temporada
Enfrentando a excitação de começar novos projetos.
Imagem de Lawrence Alma-Tadema.
Depois de tantos anos de jornalismo, tenho que admitir que desenvolvi certo apego à adrenalina dos novos projetos. Outros assuntos e tecnologias pra entender, novos países pra explorar, essas coisas.
Mas, final, qual parte da excitação com novos desafios é realmente… excitante? Pergunto porque esse um processo complexo, cheio de nuances e fases. Por exemplo:
- Fase do sonho. Quando imaginamos uma visão de futuro. Ideias desconexas vão se transformando num desejo, cada vez mais identificável.
- Fase da investigação. Geralmente, aparece no pré-planejamento, quando você começa a montar as peças do quebra-cabeças e descobre que elas te guiam pra caminhos mais específicos.
- Fase da fantasia de poder. Quando você já sabe o que quer e vai resolvendo os detalhes pra tornar sua visão “realidade”. Mas, aqui, tudo é teórico, você ainda não enfrentou a situação, na prática. Então, tem aquele rush que vem da ingenuidade de que as coisas vão acontecer exatamente como você planejou. É a “viagem” do estrategista, daquele que acredita estar no controle.
- Fase do guerreiro. Quando o planejamento fica denso demais e não vale mais a pena parar. Você já percebeu que o projeto será mais complicado do que o imaginado. Mas já está no meio da luta e ocupado demais com a alucinação do projeto.
A partir daqui, as coisas tendem a andar por si mesmas. É um terreno mais denso. O projeto vira uma questão de identidade. E também uma jornada. Então, começa a perder a sensação de novidade. Vira uma tarefa.
Eu poderia parar por aqui. Mas a toca do coelho é muito mais profunda. Entre uma fase e outra, existem as fases paralelas. Pro texto não se alongar demais, vou explorar só as Jornadas de Ansiedade, que permeiam quase todas as fases.
É a diversão de lidar com a insegurança (“será que dou conta do projeto?”, “não. É muito pra mim”, “e se eu ler mais esse livro sobre o assunto?”).
Essa fase poderia ser chamada de artística, porque é um intenso exercício de criatividade.
Você inventa narrativas de ansiedade e procura uma “audiência” pra elas – ainda que seja só você mesma. Fragmenta sua situação em múltiplas camadas pra desenvolver no melhor estilo Inception:
As expectativas e os padrões de excelência do projeto.
O trabalho de manter a coerência da narrativa da ansiedade de acordo com eles.
Tanto pra si quanto pros outros.
A burocracia de gerenciar a repercussão (interna e externa) da ansiedade.
E por aí vai.
Muitos de nós temos um hábito / apego tão forte a esse processo criativo que ele parece surgir automaticamente. Parece que “somos” isso, esse fluxo intenso de prós, contras e ficções que antecedem nossas tentativas de lidar com o desconhecido.
Pensei nisso ao assistir a dois vídeos do canal de bateristas Drumeo. Os produtores chamam músicos consagrados pra tocar faixas que nunca ouviram, fora das suas áreas de especialidade.
Num dos programas, o virtuose Eloy Casagrandre sofre horrores pra tocar um funk. Eloy é baterista do Sepultura e considerado virtuose, desde criança. Ele tem conhecimento técnico pra dominar o desafio facilmente.
Mas, antes, ele precisa cruzar um oceano de hábitos de perfeccionismo (entre outras questões que deixo pra terapeutas analisarem).
Como audiência, percebemos a frustração de Eloy de não ter como medir se está agindo corretamente ou não. Em certo ponto, até mesmo os produtores parecem cansados de ver o baterista reclamar.
O outro vídeo é do baterista do Red Hot Chili Peppers, Chad Smith. Sua narrativa é bastante diferente. Ele parece mais autoconfiante, mais intenso, mais “leve”. Toca a música do seu desafio de uma só vez. E declara que já resolveu o assunto. Não quer nem mesmo uma segunda tentativa, pra aperfeiçoar detalhes.
Ele é melhor baterista que Eloy? Não necessariamente. Apenas usa uma narrativa, digamos, mais curta e direta. O humor, a confiança e o jeito meio toscão de Chad ajuda a resolver o problema de pronto. E neutraliza defeitos. Chad está no controle e até declara que o desafio foi concluído.
Claro, aqui estou eu, criando narrativas em torno de Eloy Casagrande e Chad Smith. Obviamente, não sei o que se passou na cabeça dos envolvidos, nem nos bastidores do programa.
Ainda assim, é um exercício interessante pra mostrar que essas fases e narrativas valem pra diversos tipos de desafios: de criar uma nova edição da newsletter até mudar pra um outro país.
Ou passar pra um ano novo.
Enfim, toda essa volta pra desejar um bom 2024 pra você. Ou melhor, um bom “novo“ ciclo de experimentos.
This is the way.
(This is the way. This is the way. This is the way.)